sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte V: Capítulo IV


Capítulo IV – Campanha eleitoral em Belém: os candidatos priorizados.

O objetivo deste capítulo é, fundamentado em pesquisa empírica realizada pelo autor, testar a hipótese da existência, no âmbito de cada partido político, de um grupo de elite entre os candidatos à Câmara Municipal de Belém no ano de 2004. Elite essa que é constituída e reforçada pelas ações dos partidos, através de suas lideranças, principais interessadas na eleição dos candidatos que a compõem.

4.1 – Sobre a pesquisa empírica.

A pesquisa contou, principalmente, com os dados dos pedidos de registros dos candidatos, constantes dos processos formalizados para esse fim que tramitaram no Tribunal Regional Eleitoral do Pará – TRE/PA,[1] e com entrevistas de caráter investigativo, realizadas com cinco por cento dos candidatos concorrentes.

A pesquisa nos registros dos candidatos abrangeu a totalidade das candidaturas deferidas, isto é, 518. Os dados obtidos, relacionados com os resultados das urnas, geraram as diversas tabelas apresentadas neste capítulo.

Direcionado pelo objetivo deste estudo, procurei identificar um perfil padrão para candidatos vencedores e vencidos. Assim, as informações referentes aos candidatos concorrentes foram trabalhadas considerando a existência de três grupos, segundo o resultado da eleição: os mais votados, os menos votados e os que se posicionaram entre esses dois limites.

Foi estabelecido o número de 104 candidatos para cada um dos dois grupos destacados (mais e menos votados), por tal número representar cerca de 20% do universo pesquisado, percentual esse que evidencia de forma significativa os que foram os “primeiros” e os “últimos” classificados, segundo a votação. Assim, os grupos extremos representam, por um lado, os campeões de votos, a elite entre os concorrentes e, por outro, os excluídos ou os “lanterninhas da eleição”, como se referiu a eles Mônica Bergamo, em sua coluna na Folha de S. Paulo.[2]

Uma vez que tal pesquisa não identificou os meios, isto é, os fenômenos internos à campanha e aos partidos que contribuíram para a formação do quadro eleitoral após a “abertura” das urnas, foram realizadas, com essa finalidade, entrevistas investigativas com candidatos à Câmara Municipal de Belém em 2004. Tais candidatos foram escolhidos por sorteio, onde se considerou apenas a variável partido/coligação. O sorteio foi realizado segundo os critérios a seguir:

a) Seleção percentual – Uma vez que não se tratava de pesquisa quantitativa, mas sim de uma investigação qualitativa, onde o que se pretende é analisar os fenômenos e as interpretações que os atores envolvidos dão aos mesmos, foi estabelecido o objetivo de serem entrevistados 5% do total de candidatos.

b) Seleção partidária – Para que o estudo não fosse comprometido com a hipótese de o sorteio de candidatos excluir um ou mais partidos ou coligações, foram sorteados 25 candidatos considerando a proporção de concorrentes por partidos/coligações a que pertenciam por ocasião das eleições, conforme demonstra o quadro abaixo. Quando não foi possível entrevistar o candidato sorteado, foi sorteado outro, sempre preservando a proporção da amostra.[3]



Para as entrevistas com os candidatos, não foi elaborado formulário ou questionário, mas sim um roteiro onde os principais tópicos foram: a) o processo de filiação ao partido, cujo objetivo principal era identificar os meios, a forma e as razões da entrada dos candidatos no partido pelo qual disputaram as eleições; b) as relações dos candidatos com a direção do partido, antes, durante e após a campanha; c) o processo de seleção de candidaturas; d) recursos e técnicas utilizados na campanha; e) a relação dos candidatos com os eleitores; e f) fatores que influenciaram no resultado para a eleição.

4.2 – Perfil dos candidatos.

O estudo dos registros de todos os candidatos[4] que concorreram, com ênfase para 208 deles: 104 entre os mais votados e igual número entre os menos votados (conforme descrito no item 4.1), foi assim procedido por permitir a comparação entre os mais e os menos votados, onde são destacadas as semelhanças e as diferenças entre os dois grupos, possibilitando, se não se chegar a uma conclusão, pelos menos às premissas básicas que separam vencedores e vencidos.

A seguir, são apresentados os resultados da pesquisa citada, onde são destacados os seguintes dados dos candidatos: votos, partido, sexo, faixa etária, experiência eleitoral, nível de escolaridade e ocupação.



Constata-se que a votação obtida pelos candidatos mais votados é muito superior a dos demais grupos somados, pois atingiram o percentual de 69% do total de votos nominais, mesmo representando apenas 20% dos concorrentes. Outro dado importante é que a média de votos entre os mais votados é 7 vezes maior que a do grupo intermediário e quase 46 vezes maior que a entre os menos votados. Esses dados revelam uma altíssima taxa de concentração de votos, ainda mais quando consideramos que os 50 candidatos mais votados (9,65% do total de concorrentes) praticamente dividiram o total de votos nominais com os outros 468 candidatos (90,35%), pois os primeiros obtiveram 50,3% dos votos, enquanto que os últimos conquistaram 49,7% dos mesmos.



Dos dados da tabela acima podemos concluir que PT e PTB foram os partidos com maior número de candidatos envolvidos na disputa eleitoral. O PT foi o partido com maior número de candidatos entre os mais votados, mas o PC do B, que adotou a estratégia de só lançar dois candidatos, foi o partido com melhor desempenho proporcional, pois seus candidatos estão entre os mais votados. A seguir vem o PT (35,2%), PMDB e PSDC (33,3% cada). O pior desempenho entre os partidos que elegeram representantes foi do PSL, que teve 34,6% de seus candidatos entre menos votados, nos revelando que o partido foi um dos que usaram a estratégia de recrutar candidaturas pouco expressivas, mas que ajudam a eleger o líder partidário,[5] no caso, o Pastor Raul, presidente do partido.



Nota-se aqui o predomínio masculino entre os candidatos concorrentes (81%). Predomínio esse que aumenta entre os mais votados e diminui entre os menos votados. Apesar de a Lei estabelecer a cota mínima de 30% para o sexo menor representado nas candidaturas, o resultado da eleição ainda deixa as mulheres em um patamar bem abaixo da cota legal, pois apenas 13% dos candidatos mais votados são do sexo feminino, percentual bem próximo do de candidatas eleitas, que foi de 14%, mas que se afasta do percentual de mulheres que disputaram o pleito (19%). O fato de o percentual de mulheres menos votadas ser maior que o percentual de inscritas (25 contra 19%) revela que as candidaturas femininas são menos competitivas que as masculinas. A explicação para tal fato talvez esteja nos estudos de Álvares,[6] que concluiu, entre outros fatores, que a seleção de candidaturas apenas para “completar a lista partidária” é maior entre as mulheres que entre os homens.



A concentração de candidatos na faixa entre os 41 e 50 anos e a constatação de que dois terços dos candidatos têm mais de 40 anos, demonstra a exigência de maturidade pelos partidos ou que os candidatos “já construíram um status familiar, educacional e ocupacional estável, para se lançarem na competição”.[7] Já os eleitores demonstram uma relativa preferência pelos candidatos mais jovens (até 30 anos), pois, proporcionalmente, essa faixa etária foi mais votada que as demais, tendo 26% de seus integrantes figurado entre os candidatos mais votados, enquanto que nas demais faixas esse percentual variou entre 18 e 21%. O índice de rejeição entre os candidatos mais jovens é o mais baixo (13% contra 18 a 33% nas demais faixas etárias), talvez isso explique por que três dos quatro candidatos identificados[8] como pertencentes ao grupo de altíssima prioridade se enquadrem nesta faixa etária.



O fator experiência é importante, tanto na seleção das candidaturas, quanto no sucesso da empreitada eleitoral, pois mais de dois terços dos candidatos mais votados já disputou eleições anteriores, enquanto que o grupo dos menos votados é composto por 73% de iniciantes. Tamanha é a importância da experiência eleitoral que dos 35 candidatos eleitos, apenas quatro disputavam a primeira eleição, destes, dois são integrantes do grupo de altíssima prioridade, e dois foram eleitos por fatores externos ao campo político.



Os dados referentes à escolaridade dos candidatos revelam que metade deles possui curso superior incompleto ou completo (49%), percentual esse que sobe para 74% entre os mais votados e cai para 34% entre os menos votados. Provavelmente o nível de escolaridade, por si só, não seja o fator preponderante, mas sim outros, derivados desse, como o status profissional, conforme cita Álvares.[9] Destaco que nove dos candidatos eleitos não possuem formação superior, dentre eles, quatro são religiosos.



Constata-se que os servidores públicos foram maioria entre os candidatos ao cargo de vereador em Belém no ano de 2004, com cerca de 17% do total de concorrentes. Esse percentual sobe para 23% quando consideramos que outros profissionais, como médicos e professores também declararam ser servidores públicos.

No entanto, proporcionalmente, as ocupações de advogado (43%), médico (48%) e ocupante de cargos eletivos (91%) são as que tiveram os melhores resultados. Aliás, dos onze candidatos que declararam ter como ocupação um cargo eletivo, apenas um não figura entre os cem mais votados, o ex-vereador Pastor Roberto Santos, que declinou de sua candidatura em favor do Bispo Rocha, também da Igreja Universal, eleito com mais de dez mil votos.

Após a análise dos dados acima apresentados, concluímos que o grupo dos mais votados obteve 69% dos votos nominais; uma invejável média 4.402 votos por candidato;[10] que o mesmo apresenta 18,3% de candidatos do PT; que tal grupo é composto de 87% de homens; que 45% desses candidatos tem entre 41 e 50 anos e que 2/3 do total tem mais de 40 anos, muito embora a proporcionalidade indique que candidatos com até 30 anos têm maior aceitação por parte do eleitor (26% contra 18 a 21%); que 67% dos integrantes desse grupo já haviam concorrido em outras eleições; que 61% do grupo possui, no mínimo, curso superior completo;[11] que 20% deles são servidores públicos, mas que, proporcionalmente, as ocupações de advogado (43%), médico (48%) e ocupante de cargos eletivos (91%) são as que tiveram os melhores resultados.

4.3 – Os candidatos priorizados.

Traçado o perfil dos vencedores, destacarei tal grupo nesse item, agregando aos dados já existentes, os referentes a relações partidárias,[12] ocupação de cargo importante no governo[13] e a existência de parentes, até o segundo grau,[14] ocupando cargos de importância tanto no governo quanto no partido. Deixo de fora da análise as relações pessoais, uma vez que é muito difícil, senão impossível, aferir se determinado candidato mantém relações pessoais com uma ou mais pessoas influentes no governo ou no partido.

Com o objetivo de provar minha hipótese, apresento a seguir um quadro onde consta a distribuição quantitativa dos 104 candidatos pertencentes ao grupo dos (20%) mais votados. Para elaborar tal quadro, procedi da seguinte forma:

a) Uma vez que tive conhecimento da lista de candidatos considerados de alta prioridade do Partido dos Trabalhadores – PT,[15] confirmada pelos candidatos do partido, considerei de tal forma os onze candidatos nela relacionados;

b) Consultei os dados referentes a eleições anteriores,[16] onde foi possível relacionar os candidatos que já haviam concorrido, bem como, quais deles chegaram a ocupar mandato eletivo. Os candidatos eleitos e os suplentes que chegaram a ocupar o cargo eletivo foram considerados como sendo do grupo de alta prioridade; já os não eleitos e os suplentes que não ocuparam o cargo eletivo, foram considerados do grupo de média prioridade;

c) Consultei os registros de candidaturas no TRE, onde constam as informações acerca da ocupação de cargo público no período dos seis meses que antecederam o pedido de registro e, após identificados os ocupantes, procedi consulta no Diário Oficial do Estado, com o objetivo de identificar a importância do cargo ocupado. Os candidatos que ocuparam cargo em comissão pertencente ao grupo DAS (Direção e Assessoramento Superior), foram igualmente considerados do grupo de alta prioridade;[17]

d) No pedido de registro de candidatura, identifiquei os genitores de cada candidato. Dados que, confrontados com os registros dos órgãos partidários existentes no TRE e com as relações de autoridades do Estado e do Município, possibilitaram a identificação de relações de parentesco entre candidatos e líderes partidários ou pessoas influentes no governo. Nas situações em que o candidato identificado não constava de nenhum dos grupos anteriores, foi o mesmo considerado com sendo do grupo de altíssima prioridade;[18]

e) Por fim, os candidatos não identificados com nenhum grupo de prioridade anterior foram considerados de baixa prioridade.



O Quadro 4.3 é esclarecedor, pois a aplicação dos critérios acima expostos para determinar a que grupo de prioridade pertenciam os candidatos mais votados, concluiu que tal grupo é composto de 61% de candidatos com prioridades alta e altíssima, 18% de candidatos com prioridade média e 21% de candidatos com prioridade baixa.

Não descarto a possibilidade de um estudo mais acurado, onde seriam identificadas todas as relações de parentesco e as de cunho pessoal, chegar a um percentual ainda menor com relação aos integrantes do grupo de baixa prioridade, aumentando, assim os percentuais de candidatos nos grupos de alta e altíssima prioridade.

Abaixo, apresento a distribuição dos candidatos mais votados, considerando partidos e prioridades, determinada segundo o Quadro 4.3, acima.



O Quadro 4.4 revela que a luta intrapartidária foi mais acirrada no PT (11), PSDB (9), PMDB (7) e PTB (6), pois tais partidos apresentaram um número maior de candidatos entre os de prioridades alta e altíssima. Coincidentemente, foram esses partidos que conquistaram o maior número de cadeiras na Câmara: cinco cada.

Note-se que alguns partidos nanicos (PSTU, PTN, PAN, PMN, PTC, PRP e PT do B) não estão relacionados no quadro acima, pois tais partidos não têm nenhum candidato entre os 20% mais votados. Juntos, tais partidos lançaram apenas 40 candidatos, o que poderia ser considerada uma estratégia eleitoral, pois assim os mesmos poderiam trabalhar para a eleição de todas as candidaturas, sem estabelecimento de prioridades, nem disputas intrapartidárias. Mas a falta de recursos financeiros que esses pequenos partidos enfrentam acaba sendo a maior motivação para tão reduzido contingente de postulantes ao cargo em disputa.

O PSTU merece especial destaque, pois, tal qual o PT de outrora, é um partido que utiliza seu reduzido horário eleitoral para consolidar sua posição partidária. Os candidatos do PSTU não têm acesso à patronagem governamental, por isso, tal qual acontecia com o PT estudado por Samuels,[19] não têm outra opção a não ser enfatizar o voto partidário. O lema do PSTU em campanha é bem conhecido do público: “Contra burguês, vote 16!”, onde se revela a estratégia de conquistar o voto partidário em contraposição ao voto personalizado.

Extraindo-se do Quadro 4.4 os dados referentes aos candidatos de alta e altíssima prioridades e comparando-os ao número de vagas conquistadas pelos partidos, chegamos a um percentual de eficácia da estratégia partidária, conforme apresentada no quadro a seguir.



Como se observa, o PL e o PSL foram os partidos de melhor desempenho em relação à estratégia de priorizar candidatos, pois elegeram 100% deles. O PTB vem logo a seguir, com 83% de eficácia, pois elegeu 5 dos 6 candidatos priorizados. O pior desempenho ficou com dois partidos pequenos: PSC e PSDC, que priorizaram um candidato cada, mas não conseguiram eleger nenhum.

Reduzindo o grupo de candidatos priorizados ao nível mais básico, isto é, ao nível de quem foi eleito, é possível dividi-los pelos quatro grupos de prioridades identificados, da seguinte maneira:

Altíssima prioridade (3 integrantes) – Composto pelos vereadores Mário Couto, Daniel Pegado e Cássio Andrade,[20] respectivamente filhos de Mário Couto Filho, membro do Diretório Regional do PSDB, deputado estadual e Presidente da Assembléia Legislativa do Estado; Suleima Pegado, membro da Executiva Estadual do PSDB e Diretora Superintendente do Detran/PA; e Ademir Andrade, presidente da Executiva Estadual do PSB e Diretor Presidente da Companhia das Docas do Pará.

Alta prioridade (29 integrantes) – Composto pelos vereadores Elcione Barbalho, ex-vereadora e ex-deputada federal; Nadir Neves, ex-deputado estadual; Mário Corrêa, Iran Moraes, Pastor Raul, Nemias Valentim, Paulo Queiroz, Alfredo Costa, Victor Cunha, Dr. Castro, Paulo Fontelles, Orivaldo Pinheiro, Orlando Reis, Xerfan, Cândido Júnior, Salma Nassar, Suely, Marinor, José Scaff, Pastor Everaldo Moreira, Gervásio Morgado, Dr. Wanderlan e Carlos Augusto Barbosa ex-vereadores; Armênio e Carlos Bordalo, que ocuparam os cargos de Delegado Regional da Fazenda Estadual e Secretário Municipal de Economia, respectivamente; Professor Edílson Moura, Zeca Pirão e Professor Luiz Pereira, pois faziam parte da direção do partido. O vereador Walter Arbage não possui cargo no governo nem no partido, mas seu irmão, o ex-deputado federal Jorge Arbage, faz parte da direção do PSDB – partido aliado, e exercia o cargo de Assessor do Governador.

Média prioridade (1 integrante) – A Capitã da PM Vanessa Vasconcelos (PMDB), candidata à vice-governadora em 2002, na chapa encabeçada por Ademir Andrade, do PSB.

Baixa prioridade (2 integrantes) – Também pode ser chamado de grupo dos iniciantes, é composto pelos vereadores Bispo Rocha (PSDB) e Vandick (PMDB), ambos candidatos corporativos. O primeiro pertence à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), foi eleito pelos fiéis, em substituição ao ex-vereador Pastor Roberto Santos, que se candidatou, mas “retirou” sua candidatura em favor do Bispo, pois pretende ser o candidato da IURD à Assembléia Legislativa em 2006. O segundo foi jogador de futebol e herói na maior conquista de um clube paraense até hoje,[21] devendo sua candidatura à torcida do Paysandu, que nas eleições de 2002 já tinha eleito o presidente do clube, Arthur Tourinho, deputado estadual.

Nota-se, portanto, o quão difícil é o caminho do candidato comum rumo ao cargo de vereador municipal, pois, como podemos observar, dos 35 vereadores eleitos, 32 pertencem ao grupo priorizado (prioridades alta e altíssima), representando 91,4% do percentual de cadeiras disponíveis, enquanto que os candidatos dos grupos de prioridade média e baixa conquistaram apenas três vagas ou 8,6% do total.

4.4 – Os privilégios dos candidatos priorizados.

Conforme já exposto, nosso sistema eleitoral é centrado no candidato, isto é, o eleitor decide seu voto considerando apenas as qualidades pessoais e propostas do candidato, não dando importância ao partido a que ele pertence. Vimos também que, por causa desse comportamento do eleitor, os partidos adotam como estratégia de campanha a priorização de candidatos. Tal priorização consiste em dividir os candidatos por quatro diferentes grupos de prioridades, sendo os grupos de prioridade alta e altíssima os que recebem maiores recursos do partido.

A campanha eleitoral que ressalta as qualidades pessoais dos candidatos é mais dispendiosa, pois “exige que os candidatos ofereçam benefícios privados aos eleitores, na forma, por exemplo, de projetos públicos financiados pelo governo, de serviços prestados aos eleitores ou de presentes diretamente doados ao eleitor”.[22] Assim, "os candidatos que podem levantar contribuições de campanha a partir de uma rede de apoio (em troca de favores políticos, isenções especiais etc.), e que muitas vezes são ligados ao governo (o que lhes garante acesso a benefícios e favores políticos), estão bem situados na disputa pelo voto pessoal. "(SAMUELS, 1997).

Dessa forma, os partidos dividem seus recursos (financeiros, troca de favores políticos, isenções especiais, espaço na mídia) e, não raro, um espaço territorial, entre seus candidatos, de forma proporcional ao grau de prioridade dos mesmos. No PT, por exemplo, os candidatos ligados a uma tendência interna tinham acesso a maiores recursos que os “avulsos”, e, entre eles, sobressaiu aquele que não dividia a prioridade da tendência, pois era o único candidato da mesma. Já o PC do B adotou a divisão territorial, restringindo uma das duas candidaturas a uma determinada região da cidade, deixando a outra livre pra atuar por todo o município.

Os privilégios dos priorizados começam bem antes do período eleitoral,[23] pois é comum aos partidos usarem as ocasiões festivas (inaugurações, entregas de obras, projetos culturais, etc) e o horário de propaganda político-partidária gratuita no rádio e na televisão[24] para promover seus líderes. Às vezes eles aparecem discretamente ao lado do líder, às vezes têm creditados para si os esforços na consecução dos benefícios ora disponibilizados à população e, no caso da propaganda político-partidária, são feitas verdadeiras apologias aos mesmos.

O maior dos privilégios, no entanto, são os “apoios” das máquinas partidárias e governamentais. O apoio da máquina governamental se dá nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Tal apoio se concretiza no “casamento” das ações de governo com a campanha do candidato. O exemplo mais comum é o do governo municipal ou estadual que asfalta ou aterra uma rua a pedido de um candidato. Mas também há casos extremos, como o de isenção de pagamento de taxas para obtenção da CNH, órgãos ou empresas públicas que contratam os cabos eleitorais de determinado candidato ou que contratam os serviços de empresas que atuam no ramo de marketing e propaganda tanto para o órgão (oficialmente) quanto para o candidato que ele apóia (extra-oficialmente).[25]

Diversos candidatos alegaram que o partido a que pertencem trabalhou visando a eleição de candidatos priorizados. Alegações de que o PSB só trabalhou para a campanha do filho do Presidente do Partido - vereador Cássio Andrade, filho de Ademir Andrade -, foram tão violentas que acabaram gerando um “racha” no mesmo, com a saída pelo menos um candidato suplentes e um eleito, que, expulso por apoiar o candidato da oposição no segundo turno das eleições municipais, trocou o partido pelo PTB. – “O PSB é uma empresa administrada pela família Andrade há vários anos”, disparou o candidato expulso.

Houve outros casos de candidatos que “trocaram de candidato” entre o primeiro e o segundo turno da eleição majoritária. O candidato B.R., do PSDB, que nas eleições para Deputado Estadual, em 2002, foi um dos mais votados na Capital, com mais de dez mil votos, e que nestas eleições não chegou aos mil, foi um deles. Ele acusou o seu partido de trabalhar apenas para os “caciques”, deixando de lado aqueles que não tinham relações próximas, geralmente de parentesco, com a direção do mesmo.

O mesmo candidato mencionou que no PSDB o abandono dos candidatos não prioritários foi tão grande que na véspera do primeiro turno, em uma reunião no comitê central do partido, houve uma “revolta dos abandonados”, que ameaçaram até promover um quebra-quebra, pois estavam todos cheios de dívidas e ainda não haviam recebido nenhuma ajuda do partido. “Imediatamente mandaram fechar as portas do Comitê, para que ninguém soubesse o que estava acontecendo lá”, comenta o candidato que, segundo o próprio, comandou a “revolta”. “Logo depois, o Pioneiro[26] arrumou mil reais para cada um de nós e os ânimos se acalmaram”, conclui o candidato.

No PT, a lista de prioridades era do conhecimento de todos e, muito embora todos concordassem com a existência dela, alguns discordaram da posição em que figuraram: “Eles [os dirigentes do partido] elaboraram a lista e apresentaram pra gente. Eu discuti, argumentei, mas eles não mudaram nada”, declarou um candidato, que afirmou que os candidatos de alta prioridade apareceram dez vezes no programa de televisão gratuito, os de média prioridade, quatro vezes, e os de baixa prioridade, apenas duas vezes. No mesmo partido, outro candidato mencionou que uma das estratégias do partido é “priorizar aqueles candidatos com maior identificação partidária e que os candidatos indicados pelas ‘tendências’ têm prioridade sobre os ‘avulsos’, que ninguém pode garantir quem realmente são”.[27]

Segundo declarações do Presidente do Diretório Municipal do PSC que também foi candidato, o partido priorizou a campanha dele próprio, que “era quem tinha maiores chances de eleição”, sustenta. Tal prioridade se concretizou na distribuição do horário eleitoral gratuito. “Eu apareci todos os dias na televisão”, declarou sem demonstrar nenhum constrangimento.

O PMDB, declararam os candidatos, atuou com duas prioridades: eleger Elcione Barbalho vereadora de Belém e seu filho, Helder Barbalho, prefeito de Ananindeua. Um candidato declarou que “O PMDB não conversa com os candidatos, não discute. Eles tomam as decisões sobre a campanha e só mandam pra gente assim: dia tal passeata em tal lugar, dia tal showmício em tal lugar. Eu nunca fui em nenhum evento do partido, minha campanha foi totalmente diferente.”(M.R., candidato, em entrevista ao autor)

No PP, os candidatos entrevistados informaram que houve priorização das candidaturas dos caciques do partido. “O Expedito Fernandez e o Xerfan ficaram com todos os recursos do partido”, protestou um candidato.

Ainda conforme as versões dos candidatos, houve priorização de candidaturas também no PDT, PSL, PL e PV.

Conclui-se, portanto, que a estratégia de priorizar candidaturas é utilizada pela maioria dos partidos; que os critérios adotados para elaboração da lista de prioridades são, ou se aproximam bastante, dos elencados no capítulo III (item 3.2); e que tal estratégia é eficaz, pois 91,4% dos candidatos eleitos pertenciam ao grupo de prioridade alta ou altíssima.

Fatores externos ao campo político, como fama e religião também podem levar um candidato à vitória eleitoral. Outra maneira, não incompatível com as anteriores, de se chegar à Câmara Municipal é a compra de votos. No próximo capítulo, tratarei sobre esses aspectos das eleições que, juntamente com a permissão das coligações, considero distorções do sistema de representação proporcional.

[1] O autor, à época, era servidor do TRE/PA.
[2] “Os lanterninhas da eleição” - Jornal Folha de S. Paulo, Edição de 10 OUT 2004, Ilustrada, p. E2, Coluna Mônica Bergamo.
[3] Alguns candidatos não responderam às diversas tentativas de contato e outros alegaram “falta de tempo” para conceder a entrevista.
[4] Segundo o TRE/PA, 584 candidatos solicitaram registro junto ao Órgão, mas apenas 518 tiveram suas candidaturas deferidas e concorreram à Câmara Municipal de Belém em 2004.
[5] C.f. item 3.3 deste trabalho.
[6] C.f. Álvares, 2004, p.262.
[7] Idem, ibidem, p. 208.
[8] C.f. item 4.3 deste estudo.
[9] Idem, ibidem, p. 221.
[10] Esse número é maior que a votação de cinco candidatos entre os eleitos.
[11] Os dados do registro de candidatura não permitem obter informações acerca de pós-graduações.
[12] Foi procedida pesquisa nas anotações dos órgãos partidários existentes no TRE, tendo sido pesquisados os órgãos diretivos regionais e municipais (Belém), válidos para o período entre janeiro e outubro de 2004.
[13] Considerei nessa categoria os cargos em comissão, de livre nomeação no governo, comumente denominados de DAS.
[14] Considero aqui o mesmo grau de parentesco que a legislação, para efeito de inelegibilidades.
[15] Segundo informações dos próprios candidatos, o PT considerou alta prioridade onze candidatos: os sete que disputavam a reeleição e mais quatro indicados pelas “tendências”.
[16] A pesquisa foi limitada ao período de 1992 a 2002, devido a maior facilidade de obtenção dos dados.
[17] Devido a inexistência do Diário Oficial do Município em meio eletrônico, o que dificulta bastante o acesso e a forma da pesquisa, esse importante periódico não foi consultado. Tal fato, acredito, tem influência direta no “agrupamento de candidatos” ora procedido, principalmente no que se refere aos candidatos pertencentes ao PT e aos partidos que apoiavam o governo municipal.
[18] Reconheço que nem todas as relações de parentesco foram identificadas: irmãos, cunhados e cônjuges, por exemplo, ficaram (a maioria) de fora, pois identificar tais parentescos requer um trabalho mais acurado.
[19] Samuels, 1997: “os candidatos do PT dispõem de poucos recursos e não têm acesso à patronagem governamental.”
[20] Apesar de já ter disputado as eleições de 2002, o que o qualificaria para compor o grupo de alta prioridade, incluí o vereador Cássio Andrade nesse grupo devido ao seu parentesco com o presidente do partido e das diversas reclamações de outros candidatos do PSB, que alegaram que o partido “só trabalhou para o filho do presidente”.
[21] Jogando futebol pelo Paysandu, em 2002, Vandick foi o herói da final contra o Cruzeiro, marcando três dos quatro gols que levaram o Paysandu ao título de Campeão dos Campeões e o credenciou a disputar a maior competição do Continente, a Taça Libertadores da América.
[22] Samuels, 1997.
[23] O período eleitoral é o espaço de tempo compreendido entre a data da escolha dos candidatos em convenção partidária e a data de diplomação dos eleitos.
[24] De acordo com os artigos 48 e 49 da Lei nº 9.096/97, os partidos com representação parlamentar têm direito à veiculação de dois programas de vinte minutos cada, um em cadeia nacional e outro em cadeia regional (estadual) por semestre, além de quarenta minutos por semestre, para inserções em rede nacional e igual tempo em rede regional. Já os partidos sem representação parlamentar têm direito a somente dois minutos por semestre, em cadeia nacional.
[25] Exemplos extraídos das entrevistas com os candidatos.
[26] Manoel Carlos Antunes, o “Pioneiro” (PSDB), vice na chapa que tinha como candidato a prefeito Duciomar Costa (PTB).
[27] C.B., candidato, em entrevista ao autor. Ele foi indicado por uma das ‘tendências’.

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