segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte IV: Capítulo III

Capítulo III – O voto personalizado e as estratégias dos partidos políticos.

Conforme pudemos constatar através da análise das normas válidas para partidos e eleições, em nosso país vigora um sistema eleitoral centrado no candidato, pois, “promove, ou mesmo exige, estratégias de voto pessoal”.[1]

Neste capítulo será abordada essa questão do personalismo do voto e as estratégias que os partidos traçam visando à conquista do maior número de cadeiras no parlamento municipal, considerando tal realidade.

3.1 – O voto personalizado.

Para melhor compreendermos as estratégias utilizadas pelos partidos políticos na campanha eleitoral, faz-se necessário entendermos o conceito de voto personalizado.

O voto pode ser partidário ou personalizado. Voto partidário é quando o eleitor vota no partido, isto é, quando o eleitor vota segundo a ideologia partidária. Já o voto personalizado é quando o eleitor vota segundo as qualidades e concepções pessoais dos candidatos.

O voto personalizado cria uma relação que envolve diretamente representantes e representados, sem a interferência do partido político. Essa relação inicia-se ainda na campanha eleitoral, quando o eleitor, avesso à ideologia partidária, vota em candidatos e não em partidos. Depois de eleitos, argumentam os estudiosos, esses parlamentares não reconhecem o partido como sua fonte de poder, mas tão somente os eleitores. De tal comportamento, resultaria um sistema político enfraquecido, principalmente por causa da baixa fidelidade partidária e do alto grau de independência dos parlamentares.
[2]
No entanto, estudos recentes sobre as relações entre o executivo e o legislativo apontaram outro caminho, pois segundo Figueiredo & Limongi, apesar de os deputados brasileiros não serem “perfeitamente disciplinados e seus partidos integralmente coesos”, existe uma “considerável coesão média” entre os partidos no período [estudado] como um todo.[3]

Segundo Kinzo (2003), pesquisa realizada nas últimas eleições gerais no Brasil comprovaram que 82% do eleitorado escolhe seu candidato com base em sua história pessoal e não na do partido a que pertence. A mesma pesquisa revelou que entre as razões do voto, 29% dos eleitores declararam conhecer o trabalho do candidato; 20% gostaram de suas idéias; e apenas 5% votaram por causa do partido. Tal resultado, segundo Nicolau (2003), reforça a idéia de que nas eleições proporcionais no Brasil predomina o voto personalizado.

Diante de tal realidade, é natural que os candidatos busquem meios de divulgar suas propostas e ressaltar suas qualidades pessoais, além de procurar identificá-las com o “gosto” do eleitor, como ressaltou Álvares.
[4] Mas para tal, são necessários recursos, a maioria deles de ordem financeira, que, segundo os próprios candidatos, são decisivos em uma campanha.[5]
Uma vez que os poucos recursos que os partidos alegam ter são canalizados para a eleição majoritária, individualmente, os candidatos à Câmara Municipal são encorajados a “correr atrás” de recursos. Um apoio governamental, uma doação de um particular ou um repasse de um “padrinho” político são as formas mais comuns de obtê-los.

Para que o candidato consiga o apoio governamental, é necessário que o mesmo tenha algum tipo de ligação mais próxima do líder (ou líderes) do partido que está no governo. Tal ligação pode ser através de líderes de outros partidos que apóiam o governo ou através das relações profissionais e pessoais que mantém com os titulares de órgãos estratégicos no governo.

O repasse proveniente de um padrinho é mais comum na eleição para a Câmara de Vereadores, quando os deputados (estaduais e federais) dividem recursos financeiros entre alguns candidatos que compõem a sua base, visando a eleição ou apenas a manutenção da base eleitoral dos mesmos, para que estas estejam disponíveis quando necessária.
[6]
Em uma eleição onde o número de candidatos por partido pode chegar até a 150% em relação ao número de cadeiras em disputa, os candidatos concorrem tanto com candidatos de outros partidos, quanto com os do próprio partido, pois, como vimos, no sistema proporcional de lista aberta, adotado para as eleições proporcionais em nosso país, são eleitos os candidatos mais votados por partido, até o número de cadeiras que esse partido conquistou.

Essas características do sistema eleitoral fazem com que os candidatos adotem “um certo grau de individualismo como estratégia eleitoral, a fim de se diferenciar dos demais”.
[7]
Como os partidos reagem a um sistema que ameaça o poder de seus líderes - visto que, como o voto é centrado no candidato, a qualquer eleição eles poderiam perder posições no parlamento e, conseqüentemente, no próprio partido - é o tema que destaco a seguir.

3.2 – As estratégias eleitorais traçadas pelos partidos políticos.

Segundo Samuels (1997), diante da realidade do personalismo do voto, os partidos
[8] teriam três opções: a) estruturar regras internas que permitissem total liberdade ao individualismo; b) “regulamentar” o individualismo do candidato; ou c) tentar cultivar uma imagem coletiva.[9]
Com a total liberdade ao individualismo, os candidatos procurariam controlar por conta própria a distribuição de recursos de pork barrel,[10] tenderiam a reclamar para si o crédito por esses benefícios e a assumir posições políticas próprias, de modo individual. Se para atingir seu alvo, ‘fisiológico’ ou político-ideológico, for preciso tirar votos dos companheiros de partido, que assim seja.[11]

Já com a regulamentação do individualismo, cada integrante da lista cuidaria de seus interesses financeiros próprios, mas o partido desenvolveria mecanismos para minimizar a competição intrapartidária direta por meio do controle das indicações ou estabelecendo redutos e nichos, e punindo os candidatos que violassem as orientações do partido.

E a tentativa de cultivar uma imagem coletiva poderia se dar independente da opção acima e “implicaria a elaboração de uma plataforma de partido. A organização partidária exigiria que os candidatos fizessem propaganda dessa plataforma e proibiria que se divergisse dela.”
[12]
A hipótese que pretendo provar no decorrer deste trabalho é que, de maneira geral, nas últimas eleições municipais, os partidos de Belém se comportaram regulamentando o individualismo por meios formais e informais.

Tal regulamentação aconteceu em forma de definição de prioridades, isto é, cada partido, após estudo, projetou o número de vagas que poderia vir a conquistar e, com base nesse número, definiu a quantidade e quem seriam os candidatos prioritários para o mesmo. Em suma, os partidos definiram quem seriam os vencedores.

Na definição dessa lista de candidatos, os partidos priorizaram seus líderes, aqueles candidatos que encarnam o próprio partido, inspiram confiança e lealdade e conhecem seus principais filiados. A esses candidatos são dispensados todos os esforços e recursos do partido, restando aos demais apenas o sonho de superá-los com seus próprios recursos. Muitas das vezes o candidato prioritário não é um dos líderes partidários, mas um herdeiro deles (parente próximo ou “apadrinhado”), que são indicados por eles como seus sucessores ou como fiéis e confiáveis seguidores.

Os principais requisitos para constituir essa elite entre as candidaturas do partido são as trajetórias profissional, política e familiar, como salientou Álvares,
[13] sendo que a mais valorizada pelo meio é a trajetória política.
O partido, investindo na eleição de suas prioridades, capta candidatos de todos os tipos, os quais podem ter ou não chances de eleição, pois suas influências e atuações contribuirão para a eleição daqueles. Esses candidatos, segundo PONTES,
[14] geralmente são de quatro tipos: os corporativos, líderes ou membros destacados de uma corporação (um sindicato, uma associação, uma categoria funcional, etc); os regionais ou locais, que são aqueles que têm influência sobre um determinado território (bairro, município, estado ou região), de acordo com a abrangência da eleição; os de imprensa, aqueles que têm um acesso contínuo aos meios de imprensa (programa de rádio ou televisão, coluna em jornal, etc); e os religiosos, que são aqueles candidatos que têm penetração em determinado seguimento religioso.
Captando o maior número possível de candidatos, o partido consegue ampliar a influência do grupo de candidatos priorizados, captar recursos e ainda aumentar suas chances de sucesso eleitoral. É o que Mainwaring denominou de partidos “catch-all”.
[15]
Na maioria dos partidos a escolha do grupo prioritário é ainda mais exclusiva que a própria seleção de candidaturas, pois se tratam de decisões restritas às lideranças partidárias. Nas entrevistas realizadas com os candidatos, os mais experientes - aqueles que estão ou já estiveram na direção de partido, confirmaram a existência da lista de prioridades. Entre os candidatos menos experientes há um certo desencanto com a política e, em especial com a possibilidade de que algum membro de fora do círculo político consiga adentrar no mesmo.

No decorrer deste estudo, foi detectado que apenas o Partido dos Trabalhadores – PT adotou, de maneira explícita e clara, uma “lista de prioridades” que era de conhecimento de todos os candidatos do partido. Mas, mesmo não tendo os demais partidos divulgado a referida lista, há outros meios de se chegar, se não à totalidade, pelo menos àqueles nomes mais evidentes da mesma: as relações de parentesco com os líderes partidários, a ocupação de cargos importantes no governo e a participação nos órgãos de direção partidária são alguns deles.

A versão dos candidatos revela que os partidos geralmente os dividem em três grupos: alta prioridade - os que têm ou tiveram mandato; média prioridade - os que já concorreram em eleições anteriores; e baixa prioridade - os demais candidatos. Fossem apenas estes os três grupos de prioridades, os candidatos cuja potencialidade eleitoral é medida unicamente em razão de sua trajetória familiar
[16] estariam ocupando o grupo de baixa prioridade, no entanto, a existência de um quarto grupo, o de altíssima prioridade, composto por tais candidatos, é uma das premissas que tentarei provar neste trabalho.
Denomino esse grupo de altíssima prioridade não porque tenha maior grau de prioridade que o de alta prioridade, como sugere a denominação, mas tão somente para diferenciá-lo deste, pois tal grupo é muito criticado pelos candidatos, que, regra geral, reconhecem a prioridade dos demais grupos, mas rechaçam a legitimidade do de altíssima prioridade.

O grupo de altíssima prioridade não é reconhecido pelos demais candidatos provavelmente por não pertencer a uma escala hierárquica do partido. Todo aspirante sonha em chegar ao grupo de alta prioridade, o dos detentores de mandatos, mas nenhum deles tem possibilidades de chegar ao grupo de altíssima prioridade, pois esse grupo é fechado e não admite integrantes que não tenham estreitos laços, geralmente de sangue, com os líderes partidários.

O fato de os próprios candidatos atribuírem pouca importância à trajetória familiar no contexto da pré-seleção de candidaturas, aliada à alta importância dada à trajetória política,
[17] evidencia um certo grau de desprezo pelo grupo de altíssima prioridade. Desprezo esse que pode ter como base a ligação, que o eleitor e principalmente a própria classe política fazem entre esse tipo de candidato e termos de conotação pejorativa no meio político atual, como patriarcalismo, coronelismo e oligarquia.
Nesse contexto, considero natural que um candidato com evidente trajetória familiar, não a considere tão importante quanto a política, tanto para efeito de seleção de candidaturas quanto para efeito do voto do eleitor.

A definição de prioridades tem início já nas etapas de recrutamento e seleção de candidaturas, razão pela qual abordarei essas etapas do processo eleitoral no item a seguir.

3.3 – O recrutamento e a seleção de candidaturas.

Em nosso país os partidos detêm o monopólio das candidaturas, isto é, só os partidos políticos podem lançar candidatos às eleições. Isto implica dizer que nenhum cidadão pode se candidatar a um cargo eletivo sem estar vinculado formalmente a um partido político. Tal vinculação formal recebe o título de filiação partidária.

É, portanto, dentre seus próprios filiados que os partidos políticos selecionam as candidaturas, isto é, a lista daqueles que disputarão os votos dos eleitores. Tal fato explica o porquê que um ano antes das eleições, prazo final para a filiação partidária, os partidos políticos, através de seus líderes partidários, iniciam um trabalho de recrutamento de prováveis candidatos, “gente que pode render votos”.
[18] Nesse momento, os candidatos potenciais são contatados por diversos partidos, que utilizam diversos recursos visando filiá-los. O percentual de 20% para os candidatos que se filiaram ou trocaram de partido às vésperas do prazo final estipulado em lei, revela a dinâmica dessa ação partidária.[19]
O objetivo desse recrutamento é filiar o candidato com potencialidade de votos antes do prazo final, pois, após a filiação do mesmo, o partido tem a garantia que seu potencial eleitoral só poderá ser aproveitado pelo próprio partido, pois, mesmo que a potencialidade da candidatura não se confirme, seu nome não poderá mais constar das listas dos partidos concorrentes.

Mas não é só o candidato “puxador de votos” que é atraído. Os partidos menores costumam atrair filiados com a finalidade de os tornarem candidatos. Tais candidatos, atuando nas suas respectivas áreas de abrangência e sem contar com a máquina partidária, não obtém votos suficientes para se elegerem, mas seus votos ajudam a eleger o líder partidário, constituindo-se em cabos eleitorais de custo zero, inclusive para o candidato apoiado na coligação majoritária.
[20]
Quanto à seleção de candidaturas, trata-se de um processo de complexo que envolve regras formais e informais. Álvares (2004) realizou inédito e interessante estudo onde identificou que apenas o PT prioriza as regras formais na seleção de candidaturas, uma vez que as mesmas estão contidas no estatuto do partido, o que não acontece nos demais.

Quanto ao nível de democratização da seleção, Álvares identifica que “a literatura internacional que tem tratado deste processo, analisando partidos de sistemas políticos variados, procura evidenciar o nível de democratização da seleção, se mais inclusiva ou menos inclusiva”.
[21] Segundo a mesma autora, a seleção é considerada mais inclusiva quanto maior for o âmbito da seleção e mais exclusiva quando, ao contrário, a seleção ficar a cargo de alguns membros do partido. Para melhor entendimento do modelo, reproduzimos, abaixo, o gráfico existente em seu trabalho.[22]

Figura 3.1 – Modelo de inclusão/exclusão de candidaturas de Reuven Hazan, desenhado por Friedenberg & Lopez
Fonte: Reproduzido de Álvares (2004).

Com base no modelo acima, Álvares, após minucioso estudo das regras de seleção de candidaturas existentes, conclui que “o PT apresenta um processo de recrutamento localizado formal, enquanto o PMDB e PP se determinam por um processo de recrutamento centralizado informal”.
[23]
Uma vez que o principal objetivo deste trabalho é testar a hipótese da existência de uma escala de prioridades entre as candidaturas no seio dos partidos, darei especial atenção às regras informais de recrutamento e seleção de candidaturas, visto que em nenhum dos partidos foram identificadas regras formais de escalonamento das mesmas.

A lei determina que cada partido pode estabelecer seus próprios critérios de escolha de candidatos a cargos eletivos, desde que nenhum filiado tenha tratamento desigual. Tal escolha, segundo os critérios legais, deve ser realizada em convenção municipal, especialmente convocada para esse fim.
[24]
Da análise dos estatutos dos principais partidos[25] que disputaram as últimas eleições municipais em Belém, conclui-se que, com exceção do Partidos dos Trabalhadores, que prevê um apoiamento dos integrantes e dirigentes do Diretório Municipal, nenhum outro partido estabelece critérios objetivos para escolha de seus candidatos às eleições a Câmara de Vereadores.

Alguns estatutos partidários estabelecem que a escolha dos candidatos se dá através da concorrência de “chapas” na convenção convocada com essa finalidade. No entanto, não estabelecem critérios objetivos para a escolha dos membros que comporão essas chapas. Assim, o processo de escolha e, principalmente, os critérios adotados no mesmo permanecem desconhecidos, pelo menos oficialmente.

Segundo Mainwaring (2001), as convenções para escolha de candidatos geralmente apresentam chapa única, o que é uma clara evidência de que as citadas convenções não passam de mera formalidade, pois os componentes da “chapa única” são escolhidos nos gabinetes dos partidos.
[26]
A seleção em si não é o principal obstáculo que o pré-candidato enfrenta em sua caminhada rumo ao Legislativo Municipal, uma vez que ter o seu nome abonado pelo partido é relativamente fácil, pois o sistema de eleição proporcional de lista aberta faz com que o partido não meça esforços no sentido de conseguir o maior número possível de candidatos, pois quanto mais candidatos concorrerem, maior o número de votos que esse partido conseguirá e, portanto, maior a possibilidade de conseguir o maior número de cadeiras nas casas legislativas.

A concorrência interna nos partidos pode ser medida pela razão entre o número de candidatos que o partido poderia lançar e o número que efetivamente lançou nas últimas eleições para a Câmara Municipal de Belém. Analisando tais números (tabelas 3.1 e 3.2), conclui-se que houve seleção de candidatos em duas coligações - “Avança Belém” (PTB / PRP) e a formada pelos partidos PDT, PSDC e PSL - e em quatro partidos que concorreram isolados - PP, PMDB, PSB e PV -, pois lançaram o número máximo de candidatos para o sexo masculino. Nos dez partidos e coligações restantes sobraram vagas para candidatos, sendo estas em maior número para os do sexo feminino.

Nas coligações às eleições proporcionais, onde constava um dos partidos que polarizaram a eleição majoritária, PT e PTB, houve uma disputa maior entre os “candidatos a candidatos”. Segundo os dados do TRE/PA, PT e PTB foram os partidos que mais solicitaram registros de candidatos. O PT solicitou 55 registros de candidatos, sendo 46 do sexo masculino, enquanto o PTB solicitou 56 registros, sendo 42 do sexo masculino. Isso demonstra que ambos os partidos se valeram das alianças para lançarem um número maior de candidatos e que as disputas internas visando a seleção de candidaturas é maior nos partidos onde figuram os candidatos majoritários com maiores chances de vitória, pois as pesquisas eleitorais, desde muito cedo, já apontavam para a polarização da disputa entre os candidatos Duciomar Costa (PTB) e Ana Júlia (PT).






Neste capítulo, vimos que em nosso país o sistema eleitoral incentiva os candidatos a buscarem o voto personalizado, onde o eleitor vota segundo as qualificações e propostas do candidato e não nas do partido. Vimos também que esse comportamento individualista criou uma “cultura” no eleitor, que menospreza o partido e decide seu voto considerando apenas o candidato. Com base nesse comportamento do eleitor, os partidos traçam estratégias de campanha priorizando alguns candidatos. Por fim, vimos que a influência da liderança partidária sobre a lista de prioridades inicia-se já na fase de recrutamento e seleção de candidaturas, pois diversas candidaturas são “trazidas” para o partido pelas lideranças. Tais candidaturas têm diferentes funções na trajetória que o partido traçou rumo à vitória eleitoral. Que funções são essas e como contribuem para o sucesso da liderança partidária é um dos temas tratados no próximo capítulo.

[1] C.f. Samuels, 1997.
[2] C. f. Mainwaring, 1992 e Samuels, 1997.
[3] C.f. Figueiredo & Limongi, 1995. p. 500.
[4] Álvares, 2004, p. 282-283.
[5] Idem, ibidem, p. 277.
[6] Quanto a esse tipo de recurso, uma candidata, líder comunitária, declarou em entrevista que sua campanha não “decolou” porque ficou esperando dez mil reais prometidos pelo deputado que apóia, que acabou não enviando o dinheiro. “Ele prometeu dinheiro para mim e para o R.P., lá do Benguí. Com certeza ele não enviou o dinheiro porque aqueles que prometeram que dariam dinheiro para ele não deram”, concluiu a candidata.
[7] Samuels, 1997.
[8] Samuels usa o termo “políticos”, no entanto, por questões de entendimento, adoto como partidos ou líderes partidários.
[9] Samuels, 1997.
[10] Nota em Samuels, 1997: A expressão pork barrel significa projeto governamental que rende benefícios localizados. Pork, no contexto, significa recursos, obras ou empregos públicos utilizados pelos políticos como instrumentos clientelísticos, voltados mais para as vantagens políticas do que para o interesse público [N.E.].
[11] Samuels, 1997.
[12] Idem, ibidem.
[13] C.f. Álvares, 2004, p. 247.
[14] Adaptação de uma tipologia apresentada pelo Ministro Nelson Jobim, em que citava a existência de três tipos de candidatos: a) os candidatos-categoria, que representam determinada classe; b) os candidatos-aparelho, arrebanhados na mídia ou igrejas; e c) os candidatos-regionais, que representam determinado bairro, cidade ou região, dependendo da abrangência da eleição.
[15] C.f. Mainwaring, 1999, p. 306: “Os partidos catch-all geralmente admitem uma ampla diversidade de candidatos sem fazer exigências ideológicas ou organizacionais. Nos maiores partidos, existe acirrada concorrência para entrar na chapa até para os cargos de menor expressão, mas de modo geral as pessoas famosas ou muito ricas são sempre aceitas independentemente de suas posições ideológicas, se podem trazer voto. Essa tendência a aceitar candidatos das mais diversas colorações ideológicas tem origem na legislação eleitoral, que incentiva os partidos a concorrerem com muitos nomes. Mesmo que um candidato não seja muito votado, sempre acrescenta alguns votos ao total do partido, de modo que contribui para aumentar o número de cadeiras conquistadas pelo partido.”
[16] Trajetória familiar, segundo Álvares (2004), refere-se à herança política, i.e., ao vínculo familiar que o candidato mantém com um líder político do presente ou do passado recente (geralmente o pai).
[17] C.f. Álvares, 2004, p. 269.
[18] C.f. L.R, candidato entrevistado.
[19] Consultadas as datas de filiação dos 518 candidatos que concorreram à Câmara Municipal de Belém, em 2004, constatou-se que 20% deles se filiou nos últimos seis meses finais do prazo para tal.
[20] Uma candidata entrevistada revelou que foi atraída para um partido pequeno por meio de um outdoor, preencheu uma ficha de filiação e outra com dados pessoais, começou a pagar o “dízimo” para o partido e às vésperas da convenção recebeu um telefonema informando que seu nome tinha sido “escolhido” para ser candidata às eleições municipais. Em reuniões após as convenções, o líder partidário prometeu emprego para todos que não fossem eleitos. Na campanha, o partido não ofereceu nenhum tipo de apoio. Ela investiu R$ 1.500,00 em sua campanha. Obteve pouco mais de cem votos. O líder partidário, eleito, não mais a recebeu no partido. “Eu e todos os outros candidatos do partido ficamos indignados”, completou.
[21] C.f. Álvares, 2004, p. 186.
[22] Idem, ibidem.
[23] Idem, ibidem, p. 198.
[24] Lei nº 9.504, arts. 7º e 8º.
[25] PP, PDT, PT, PTB, PFL e PSDB.
[26] “As convenções geralmente recebem uma chapa única e isso significa que as decisões foram tomadas antes da assembléia. Somente quando as forças concorrentes se mantêm em apertado equilíbrio é que a convenção decide sobre a composição da chapa do partido. Por isso as convenções dão a impressão de ser meras formalidades por trás das quais um pequeno grupo de líderes controla o “verdadeiro” mecanismo de seleção de candidatos” p. 305.

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte III: Capítulo II

Capítulo II - Sistemas partidário e eleitoral no Brasil

Os sistemas partidário e eleitoral são peças imprescindíveis em qualquer estudo sobre partidos e eleições, uma vez que estes dependem diretamente daqueles. Ambos os sistemas são regulados pela legislação e, portanto, analisar as alterações nesta, situando historicamente os fatos que as provocaram, torna-se condição sine qua non para entendermos os sistemas partidário e eleitoral vigentes hoje em nosso país.

2.1 – Contextualização histórica

Para uma melhor compreensão do nosso sistema partidário atual, faz-se necessário que regressemos um pouco na história recente de nosso país, mais precisamente ao período pós Vargas, isto é, 1945.

Há quem defenda que o período de maior efervescência democrática em nosso país foi o de 1945 a 1964, por representar uma época de (re)nascimento dos valores democráticos, sob a qual foram criados os primeiros partidos políticos brasileiros, segundo a concepção moderna.

As principais características desse período foram a introdução da exclusividade da apresentação dos candidatos pelos partidos políticos e um pluralismo moderado no início do período e um pluralismo exacerbado após 1962. Segundo Fleischer, a legislação “permitiu a proliferação de legendas fracas sem consistência, e dificultava a formação de alianças coesas e permanentes no Congresso”.[1]

No pleito de 1965, já sob o domínio militar, já estava em vigor o novo Código Eleitoral,[2] que atenuou algumas distorções do sistema, sendo que as de maior impacto sobre os partidos foram a volta da chamada cláusula de barreira[3] (de 5%) e a proibição das coligações nas eleições proporcionais. Com tais alterações, o número de partidos representados no Congresso caiu sensivelmente em 1966.

No entanto, o resultado das eleições de 65 revelou o crescimento da oposição ao regime recém implantado, o que motivou um “realinhamento do sistema pluripartidário de então por vias autoritárias”.[4] Foi instituído o bipartidarismo no Brasil.

A partir desse ponto, 1965, analisaremos com mais detalhes as alterações ocorridas nas legislações partidária e eleitoral.

2.2 – A legislação partidária

Como já mencionamos, a legislação partidária brasileira tem sofrido diversas transformações ao longo dos anos, algumas de caráter superficial e outras que influenciaram definitivamente na relação povo-poder.

Não é minha intenção fazer um histórico completo dessas transformações, mas tão somente esclarecer as condições estruturais que conduziram a legislação partidária à situação em que se encontra hoje.

A legislação partidária atualmente em vigor em nosso país teve sua origem com o Código Eleitoral de 1965, tendo a mesma sofrido profundas alterações devido ao processo de redemocratização do país, iniciado em 1979.

Com o Golpe Militar de 64 e a extinção dos partidos políticos em 65, a Ditadura Militar reformulou o sistema partidário, admitindo a criação de até três partidos políticos. Na prática, apenas dois foram criados: A Aliança Renovadora Nacional – ARENA e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB.

Durante os quinze anos em que durou o bipartidarismo no Brasil, o que se viu, na prática foi um sistema de partido dominante, pois a principal função do MDB era dar ao regime um certo ar de legitimidade e de democracia. Tanto é verdade que assim que o MDB começou a crescer eleitoralmente e a ameaçar a posição do governo, as regras do jogo político foram novamente alteradas.

A principal intenção do Governo Militar quando decretou o fim do bipartidarismo em dezembro 1979, era manter-se no poder, provocando um racha na então crescente oposição, o que acabou acontecendo.

A partir de 1980 foram criados e recriados diversos partidos políticos em nosso país. A legislação da época limitava a atuação partidária, pois, imitando o sistema alemão, exigia um mínimo de apoio e votação nacional para que um partido pudesse ocupar uma cadeira nas Casas Legislativas.[5] Assim, apesar de muitos partidos terem solicitado registro provisório no TSE, poucos conseguiram atuar. A política da época girava em torno de cinco partidos (PDS, PDT, PT, PTB e PMDB). Esse quadro permaneceu até 1985, quando a Emenda Constitucional nº 25, reduziu as exigências para o funcionamento parlamentar.[6] A partir daquele ano, houve uma multiplicação dos pequenos partidos, graças a outro dispositivo da Lei que garantia o mandato dos candidatos eleitos por partidos que não atingissem o percentual mínimo, desde que os mesmos optassem, em um prazo de sessenta dias, por outro partido com representação parlamentar.

Assim, enquanto o partido não conseguisse o apoio popular, através de votos, o TSE lhe concedia o registro provisório que garantia a participação do partido no processo eleitoral. Para se ter uma idéia, nas primeiras eleições presidenciais diretas pós-ditadura, em 1989, 22 candidatos, representando 28 agremiações partidárias concorreram ao cargo de dirigente máximo da Nação.

A partir daí, iniciou-se no País uma longa discussão acerca da legislação eleitoral. A principal crítica ao sistema era que ele possibilitava o surgimento de partidos pequenos ou nanicos, que muitas vezes serviam apenas de “fachada” para siglas maiores, eram os partidos de aluguel, pois era comum que um candidato, menosprezado em um partido, criasse um outro, sob o qual disputava as eleições e, quando lograva êxito, negociava sua volta ao partido de origem ou mesmo a transferência para um outro partido, “vendendo seu passe” em uma espécie de leilão em que a moeda utilizada eram prerrogativas e cargos.

A discussão avançou até que em 1995 foi promulgada a Lei nº 9.096, a chamada “Lei dos Partidos Políticos”, em vigor até hoje e que em seu artigo 1º preconiza: “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”.

O principal objetivo desse artigo é transformar os partidos políticos, antes entidades públicas, em entidades privadas. Já o artigo 2º versa sobre a liberdade de formação e extinção dos partidos políticos, determina que “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos cujos programas respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”.

Colocado dessa forma, fica parecendo que criar um partido político é tarefa fácil, mas não é bem assim, pois o artigo 7º da mesma lei estabelece que “O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral”. E complementa, em seu parágrafo primeiro:

Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.

E no parágrafo segundo: “Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos fixados nesta Lei”.

Assim, a Lei dos Partidos Políticos estabeleceu regras bem rígidas para a criação de um partido político. Vejamos:

a) Obtenção do registro civil no cartório da Capital Federal;
b) Apoiamento mínimo de eleitores;
c) Registro dos órgãos partidários nos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais; e
d) Registro do estatuto do partido no TSE.

Analisemos cada uma dessas exigências:

Obtenção do registro no cartório da Capital Federal

Para se conseguir esse registro, é necessário que pelo menos cento e um eleitores com domicílio eleitoral em pelo menos um terço dos estados se reúnam, elaborem o programa e o estatuto do partido, além de elegerem, segundo a forma prevista no estatuto, seus dirigentes. Trata-se da certidão de nascimento do partido.

Apoiamento mínimo de eleitores

O apoiamento, antes exigível através de votos, passa a ser por meio de assinaturas de eleitores. Essa mudança elimina a necessidade de o partido concorrer em eleições para demonstrar apoio popular.

Tal apoiamento deve ser manifestado por eleitores em número correspondente a pelo menos meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço ou mais dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles. A prova do apoiamento mínimo é feita por meio de assinaturas, em listas organizadas pelo partido, para cada Zona Eleitoral, contendo o nome completo do eleitor e número do título eleitoral. Para se ter uma idéia desse “apoiamento”, com base em números da última eleição para a Câmara dos Deputados, são necessárias 438.392 assinaturas para se apoiar a criação de um partido político, ou seja, quase o mesmo número de eleitores de Natal, capital do Rio Grande do Norte.[7]

Registro dos órgãos partidários nos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais

Cumpridas, comprovadamente, as fases anteriores, o partido criará os órgãos de direção municipais e estaduais, registrando-os nos respectivos TRE´s.

Registro do estatuto do partido no TSE

É o último passo na criação do partido e só pode ser realizado após o registro dos órgãos partidários em pelo menos um terço dos estados da Federação. Após esse registro, o partido estará apto a concorrer às eleições, receber as dotações do Fundo Partidário[8] e ter acesso à propaganda partidária no rádio e na televisão.

A maior inovação da Lei, no entanto, está em seu artigo 3º: “É assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”. Trata-se da autonomia partidária, importantíssima em qualquer regime democrático, pois permite aos partidos a auto-gestão, sem interferências do governo. Assim, o estatuto do partido, naquilo que não fere a lei, é a regra máxima na conduta de seus membros e órgãos diretivos.

É essa autonomia que permite aos partidos políticos elaborarem seus próprios estatutos e estruturas de funcionamento. Mais adiante, veremos como essa autonomia interfere na seleção de candidaturas a cargos eletivos no interior dos partidos políticos.

A Lei 9.096/95, em seu artigo 15, obriga o partido a conter, entre outras, normas sobre as condições e forma de escolha de seus candidatos a cargos e funções eletivas.

Como se constata, nossa legislação dificulta a criação e o crescimento de novos partidos, pois exige o caráter nacional das agremiações partidárias e discrimina os pequenos partidos quanto à distribuição do fundo partidário e dos horários de propaganda partidária e eleitoral, pois, como vimos, esses recursos são distribuídos proporcionalmente à votação do partido na última eleição para a Câmara Federal.

2.3 – A legislação eleitoral

Nossa legislação eleitoral é uma colcha-de-retalhos. Nosso Código Eleitoral data de 1965, ano em que vivíamos o início de uma ditadura que duraria vinte e um anos. A Lei das Eleições[9] é mais recente, foi promulgada em 30 de setembro de 1997.

Antes da Lei das Eleições, cada eleição tinha suas próprias regras, sancionadas pelo Congresso em forma de Lei ou decretadas pelo Executivo. Essa situação fazia com que as regras fossem alteradas de acordo com a conjuntura eleitoral, dando margem a casuísmos de eleição para eleição.

Trata-se de uma legislação muito complexa e abrangente. Destacarei aqui apenas os aspectos interessantes ao desenvolvimento deste trabalho.

Em nosso país coexistem dois sistemas eleitorais: majoritário e proporcional. Os representantes do poder executivo e senadores são eleitos pelo sistema majoritário, isto é, são eleitos os candidatos mais votados, sendo que para os cargos do executivo (Presidente, Governador, Prefeito e respectivos vices) há a possibilidade de um segundo turno, caso nenhum candidato atinja a maioria absoluta (50% mais 1) de votos. Para o cargo de prefeito, a regra do segundo turno só é válida para as cidades com mais de duzentos mil eleitores. Já para os cargos legislativos (Deputados Federais, Estaduais, Distritais e Vereadores), é adotado o sistema proporcional de lista aberta.

A eleição proporcional visa à representação da população de determinado distrito eleitoral, almejando assegurar a participação dos diversos segmentos da sociedade, organizados em partidos políticos. Diferentemente do sistema majoritário, na representação proporcional nem sempre o candidato mais votado é eleito. É necessário que seu partido (ou coligação[10]) receba do eleitorado que representa o distrito eleitoral um mínimo de apoio manifestado pelo voto. Esse mínimo de apoio popular é verificado através do quociente eleitoral, que é a divisão de todos os votos válidos (votos nominais[11] + votos de legenda[12]) pelo número de vagas a serem preenchidas. Só poderão concorrer à distribuição das vagas os partidos e coligações cuja soma dos votos válidos alcançar o quociente eleitoral.[13]

No sistema proporcional de lista aberta, o eleitor é quem “fecha” a lista de eleitos, pois na distribuição das vagas destinadas ao partido ou coligação, são considerados eleitos os candidatos mais votados desse partido. No sistema de lista fechada, o partido é quem pré-determina a ordem da lista de candidatos.

Segundo a legislação, é o partido quem escolhe, em convenção, os candidatos que disputarão as eleições. É também o partido quem distribui os fundos de campanha, o horário eleitoral destinado ao partido e os outdoors entre os candidatos.

Para tornar-se candidato, o eleitor deve estar filiado a um partido político em tempo nunca inferior a um ano antes do pleito, além de estar inscrito na jurisdição da eleição pelo mesmo tempo, no mínimo.

No período eleitoral, aos partidos e coligações concorrentes são distribuídos sessenta minutos diários no rádio e na televisão.[14] No caso das eleições proporcionais, o partido tem a prerrogativa de distribuir esse tempo como melhor lhe convir entre os seus candidatos. Nas eleições municipais, em que os cargos de prefeito e vereador estão em disputa, a propaganda gratuita no rádio e na televisão é distribuída da seguinte forma: às segundas, quartas e sextas-feiras, para os candidatos ao cargo majoritário; e às terças, quintas-feiras e sábados, para os candidatos proporcionais.

Outra característica do sistema eleitoral brasileiro são as coligações. Com relação às eleições majoritárias, elas representam o apoio de dois ou mais partidos a um candidato de consenso, já com relação às eleições proporcionais, representam uma anomalia do sistema, pois permitem que um partido com pequena votação consiga eleger representantes que jamais elegeria caso concorresse sozinho. As coligações também influenciam no número de candidatos que cada partido pode lançar, favorecendo os grandes partidos, pois a lei estabelece que para que a coligação seja válida, basta que cada partido coligado apresente ao menos um candidato. Assim, em uma coligação de um grande e um pequeno partido, o menor lançaria um candidato, enquanto o maior lançaria os demais. Isso, na prática, aumenta em um terço o número de candidatos que o partido maior pode lançar.

Aliás, nosso sistema eleitoral está cheio de anomalias: a super-representação, a sub-representação[15] e a permissão de troca de partido após a eleição são as mais polêmicas delas, sendo alvo de debates por todos que se interessam pela matéria.

A lei estabelece que cada partido poderá lançar candidatos até o limite de cento e cinqüenta por cento das vagas na Casa Legislativa, já as coligações poderão lançar até o dobro de candidatos em relação às citadas vagas.

Quanto ao número de vagas por gênero, a mesma lei estabelece que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento do número de candidatos que pode lançar para cada sexo. Assim, nas eleições para a Câmara Municipal de Belém, por exemplo, em que trinta e cinco vagas estão em disputa, um partido que concorre isolado poderá lançar até cinqüenta e três candidatos, sendo que, destas vagas, um mínimo de dezesseis (equivalente a 30%) deverão ser reservadas para o sexo com menor número de candidatos (geralmente, o feminino). Isso não quer dizer que, dentre os candidatos inscritos, um mínimo de 30% deva ser de um gênero, como muitos acreditam, mas sim que o partido deve reservar um mínimo de 30% para as candidaturas de um gênero e um máximo de 70% para as de outro.[16] Essa reserva poderá ser utilizada ou não, dependendo do número de interessados em candidatar-se.

Segundo a lei, os partidos devem escolher seus candidatos em convenções realizadas entre os dias 10 e 30 de junho do ano em que se realiza o pleito. No entanto, a mesma lei prevê que no caso de as convenções para escolha dos candidatos não indicarem o número máximo de candidatos a que o partido tem direito, os órgãos de direção partidária dos respectivos partidos poderão indicá-los, preenchendo as vagas remanescentes, até sessenta dias antes do pleito.[17]

Deste capítulo, concluímos que em nosso país vigoram dois sistemas eleitorais: o majoritário e o proporcional de lista aberta. Este último é válido nas eleições para as Casas Legislativas, com exceção do Senado. Por este sistema, o eleitor pode votar tanto no partido (voto de legenda) quanto em candidatos (voto nominal). Ao final, obedecido ao critério estabelecido pela cláusula de barreira (o quociente eleitoral), são distribuídas as cadeiras proporcionalmente à votação dos partidos, e são considerados eleitos os candidatos mais votados de cada partido ou coligação, em número correspondente às cadeiras conquistadas pelo partido. Quanto ao sistema partidário, vimos que vivemos uma época de ampla liberdade política no que se refere à criação e manutenção, inclusive normativa, de partidos. No entanto, são impostas barreiras à criação de novos partidos, através da obrigação do apoiamento mínimo, assim como ao funcionamento dos pequenos partidos, que praticamente ficam de fora da distribuição do fundo partidário e dos horários gratuitos para propaganda partidária e eleitoral no rádio e na televisão.

Dessa forma, um filiado (ou um grupo deles) que se sinta menosprezado pelas lideranças de um médio ou grande partido, não se sentirá incentivado a criar um novo partido, nem a migrar para um partido menor, onde, teoricamente, teria mais destaque, pois tais partidos não dispõem de recursos suficientes à própria manutenção nem para investir em campanha eleitoral, razão pela qual, de uma maneira geral, atuam como satélites de partidos maiores. Assim, os inconformados acabam migrando para outro partido de mesmo tamanho, onde poderão ter os mesmos problemas.

[1] C.f. Fleischer, 1997, p. 234.
[2] Lei nº 4.737/65
[3] Entende-se por cláusula de barreira a disposição normativa que nega existência ou representação parlamentar ao partido que não tenha alcançado um determinado número ou percentual de votos. Foi inserida pela primeira vez em nosso país com o código Eleitoral de 1950, que previa o cancelamento do registro do partido que não conseguisse eleger ao menos um representante para o Congresso Nacional ou que não obtivesse ao menos cinqüenta mil votos.
[4] C.f. Fleischer, 1997, p. 234.
[5] Lei 6.767/79: Art 16 - Não terá direito à representação no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e nas Assembléias Legislativas o partido que não obtiver o apoio, expresso em voto de 5% (cinco por cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuído em pelo menos 9 (nove) Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles.
[6] Emenda Constitucional nº 25, Artigo 1º - Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o Partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5 (cinco) Estados, com o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles.
[7] Segundo o TSE, em 2002 Natal possuía 446.841 eleitores.
[8] O Fundo Partidário é constituído por: recursos de multa e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário e, a principal fonte, dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, em cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicado por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995 (Lei nº 9.096/95, art. 38, I a IV). Para exemplificar, em 2004 a parte do fundo correspondente à dotação orçamentária da União chegou a R$ 112.695.092,00. Esse Fundo é distribuído entre os partidos políticos da seguinte forma: 1% igualitariamente a todos os partidos com registro no TSE, e 99% aos partidos com direito a funcionamento parlamentar na Câmara dos Deputados, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a mesma. Atualmente o PT é o partido com maior quinhão, cerca de 25 milhões de reais, enquanto partidos sem representação federal, como o PAN e o PSL, recebem aproximadamente 3 mil reais anuais.
[9] Lei nº 9.504/97.
[10] Coligação é a união de dois ou mais partidos, para fins de disputa eleitoral. A coligação funciona como se um partido fosse, enquanto durar o processo eleitoral.
[11] Votos nominais são os votos dados aos candidatos.
[12] Votos de legenda são os votos dados à legenda, isto é, ao partido, nas eleições proporcionais, pois o eleitor tem a opção de votar em um candidato ou em um partido.
[13] Segundo Nicolau (2004) o quociente eleitoral adotado no Brasil funciona como cláusula de exclusão variável de um distrito para o outro, no caso das eleições para a Câmara dos Deputados, visto que ela vai de 1,4%, em São Paulo, a 12,5%, em Roraima e em outros pequenos estados.
[14] A distribuição desse tempo, entre os partidos, é feita da seguinte forma: um terço igualitariamente e dois terços proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, em 1º de fevereiro do ano de início da última legislatura.
[15] Super-representação e sub-representação são fenômenos que se dão tanto quanto à representação das unidades que compõem a Federação quanto à bancada dos partidos na Câmara Federal. Enquanto que um deputado de Roraima, por exemplo, representa 21.000 eleitores, um deputado de São Paulo representa treze vezes mais. No entanto, nas votações no Congresso, cada um tem o mesmo peso: um voto. Com relação aos partidos ocorre o mesmo, pois a soma das proporcionalidades conquistadas pelos partidos nos distritos eleitorais (Estados) não é igual à votação proporcional desse mesmo partido nacionalmente.
[16] Cf. Lei nº 9.096/97, artigo 10, § 3º.
[17] Idem, ibidem, § 5º.

sábado, 13 de outubro de 2007

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte II: Capítulo I

Capítulo I - Os partidos políticos

1.1 - Definição

A definição de partido político tem sofrido diversas alterações na história da Ciência Política. Desde Edmund Burke (1729-1797) esse conceito tem sido um dos temas de maior discussão na Ciência, pois a partir de tal conceito é que são formulados diversos outros estudos, como representação e comportamento eleitoral, por exemplo.

Diante desse quadro em que cada um acrescenta sua pincelada, restam duas alternativas ao estudioso do tema: analisar cada uma das etapas da construção do conceito e adotar aquele que mais se aproxima de suas convicções ou, como a maioria dos cientistas políticos o fazem, acrescentar mais uma pincelada no já complicado quadro que representa tal conceito.

Na construção desse conceito, Giovanni Sartori tem sido o ponto inicial, não no sentido cronológico, pois sua obra data da segunda metade do século passado, mas sim porque seu estudo Partidos e Sistemas Partidários retroage no tempo e analisa cada conceito em seu contexto social e histórico.

Sartori conceitua partido político a partir da análise das definições de outros autores, iniciando por Burke,[1] aprimorando o conceito até chegar a “um partido é qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que apresente em eleições, e seja capaz de colocar através de eleições [livres ou não], candidatos a cargos públicos”.[2]

Sartori apresenta, ainda, uma definição mínima: “Um partido é qualquer grupo político que apresente em eleições, e seja capaz de colocar através de eleições, candidatos a cargos públicos”.[3]

Nessa definição, largamente aceita, não são considerados partidos aqueles grupos que, embora organizados e coesos, não são capazes de apresentar candidatos a cargos públicos, principalmente por questões legais.[4] Por esse motivo não concordo inteiramente com a mesma, preferindo a de Seiler, segundo o qual, "partidos políticos são organizações visando mobilizar indivíduos numa ação coletiva conduzida contra outros, paralelamente mobilizados, a fim de alcançar, sozinho ou em coalizão, o exercício das funções de governo. Essa ação coletiva e essa pretensão de conduzir a marcha dos negócios públicos são justificadas por uma concepção particular de interesse geral." (SEILER, 2000, p. 25)

Essa definição, em meu entendimento, retrata e abrange os partidos políticos contemporâneos, pois, partindo das definições anteriores, engloba a mobilização, a existências de outros partidos, a possível coalizão e a luta pelo poder como elementos fundamentais de um partido político.

Em meu ponto de vista, todos esses elementos são necessários e o mais importante deles é a luta pelo poder, pois é a maneira como essa luta se desenvolve que são criados os contornos da organização interna e externa do partido, visando à mobilização e a ascensão de lideranças.

1.2 - Função dos partidos políticos

Qual a real função dos partidos políticos em nossa sociedade? Tal qual a discussão sobre o conceito de partido político, essa pergunta tem se repetido a cada novo estudo sobre o tema.

Os partidos políticos, ao longo de sua história, sempre foram vistos com desconfiança pela sociedade, pois são tidos como “uma tela interposta entre governantes e governados, um freio posto ao exercício da democracia”.[5] Mas não é bem assim! Os partidos, tem demonstrado a história, não são obstáculos, mas sim as colunas sustentadoras da democracia. Tanto é verdade, que os regimes considerados mais democráticos são aqueles em que qualquer grupo organizado em forma de um partido tem possibilidades, pelo menos legais, de chegar ao poder e, o inverso, regimes autoritários e antidemocráticos são considerados aqueles que limitam a ação ou extinguem por completo os partidos políticos.

Extrai-se, então, que a principal função dos partidos políticos é revestir de legitimidade o regime e, para tal, precisa o partido, segundo P. H. Merkl, atuar em seis dimensões:

"1) Recrutamento e seleção de pessoal dirigente para os cargos do governo; 2) Gênese de programas e de políticas para o governo; 3) Coordenação e controle dos órgãos governamentais; 4) Integração societária pela satisfação e pela conciliação das demandas dos grupos ou pela contribuição de um sistema comum de crenças ou ideologias; 5) Integração social dos indivíduos por mobilização de seus apoios e por socialização política; e 6) Contra-organização ou subversão." (apud SEILER, 2000, p. 32-33)

A última função do partido, apresentada acima, é a grande inovação do estudo, pois foi capaz de perceber que manter um canal de expressão e conseqüente escape do descontentamento também contribui para a manutenção e sobrevivência do sistema.

Assim, os partidos “asseguram o revezamento de homens e idéias, estabilizam o sistema ao torná-lo legítimo aos olhos dos cidadãos e, para alguns dentre eles, canalizam os descontentamentos, reforçando, assim, a legitimidade do sistema”.[6]

Conclui-se, portanto, que as principais funções dos partidos políticos são “fornecer governantes de maneira contínua e tornar esse modo de acesso às funções de governo aceitável aos governados”.[7]

1.3 - Origem e evolução

Há quem considere a Inglaterra do século XVI o berço dos partidos políticos, mais precisamente durante o reinado liberal de Isabel (1558-1603). No entanto, a maioria dos autores não considera os grupos que agiam nos parlamentos medievais como partidos, pois não tinham relevância nem organização suficiente para tal. Consideram, tais autores, o advento dos governos democráticos, fundamentados na representação política, na Europa e nos Estados Unidos da metade do século XIX como marco histórico que originou os partidos políticos. Concordam, no entanto, que foi com o Reform Act de 1832 que a Inglaterra tornou-se o primeiro país a experimentar a convivência partidária.

No início, os partidos não passavam de organizações locais que se ocupavam “da execução prevista em lei para a eleição do Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato”.[8] Tais organizações, na verdade grupos de deputados reunidos no Parlamento, eram compostas exclusivamente de indivíduos de reconhecida notoriedade e que eram incumbidos da organização do partido. Eram os chamados partidos de notáveis, que prevaleceu por todo o século XIX na maior parte dos países da Europa.

Ao final do século XIX e início do seguinte, surge um novo modelo de partido, o partido de massa, alavancado pelas transformações econômicas e sociais produzidas pelo crescente processo de industrialização. É a partir daí que os partidos ganham uma organização, isto é, um corpo burocrático, composto de funcionários pagos especificamente para manter organizadas as milhares de pessoas que passaram a ver os partidos como meios para a consecução de seus objetivos de justiça social. Esse corpo burocrático remunerado fez-se necessário devido à impossibilidade de os trabalhadores se afastarem de seus meios de subsistência para dedicarem-se exclusivamente ao partido.

Os partidos socialistas da Alemanha, França, Itália e Inglaterra foram os primeiros a terem as características de partidos de massa. Representou algo totalmente novo, pois os partidos nasceram nas camadas mais baixas, dentre os excluídos da participação no governo, contrariamente ao que ocorria anteriormente, quando os partidos se organizavam a partir dos parlamentos. A educação política, a propaganda partidária e o trabalho contínuo de organização passaram a fazer parte das atividades dos partidos, além de ser estabelecido um sistema de quotas, como meio de sustentá-los financeiramente.

Os partidos de massa desenvolveram uma estrutura interna do tipo piramidal, sendo a base constituída das uniões locais. As Seções, como eram chamadas essas uniões, tinham “a finalidade de enquadrar todos os membros do partido pertencentes a um dado espaço territorial (bairro, cidade, país)”.[9] Tais seções eram organizadas, a nível territorial, em federações, que compunham os órgãos intermediários do partido, cuja principal função era a de coordenação. A cúpula do partido era constituída pela direção central e era composta por delegados enviados pelas seções ao Congresso Nacional, órgão máximo de deliberações do partido.

Além dessa rigorosa estrutura, os partidos socialistas ainda possuíam extensa organização de assistência social, econômica e cultural aos seus associados (sindicatos, cooperativas, jornais, tipografias, etc). Em geral, tais organizações já existiam antes do partido e até contribuíram para fundá-lo, mas o partido também se empenhava em reforçá-las e também em criar outras. Este modelo de partido foi denominado de partido de aparelho ou partido de organização de massa.

Contudo, necessário se faz ressaltar que a principal diferença entre o partido de notáveis e o partido de massa reside no momento de sua criação, visto que o primeiro foi criado no interior do Parlamento e o segundo fora dele, com o objetivo de nele penetrar. Esse fato, a origem, é quem dá personalidade ao partido, é quem o caracteriza, pois os partidos criados no Parlamento tendem a ser menos burocráticos e ideológicos que os criados fora dele.

Em geral, nos partidos criados a partir do Parlamento o peso da figura do parlamentar é maior que nos partidos de massa, pois nestes, a organização burocrática do partido tende a ter um peso maior que o grupo de parlamentares. Assim, nos primeiros, os parlamentares são os líderes vitalícios (ou quase), enquanto que nos segundos os parlamentares são meros porta-vozes das massas, votando de acordo com o que o corpo do partido decide.


1.4 – A relação com a Teoria das Elites

Gaetano Mosca (1858-1941), Vilfredo Pareto (1848-1923) e Robert Michels (1876-1936) são os precursores da chamada Teoria das Elites.

Mosca é autor da obra Elementos de Ciência Política, publicada em 1896. Nela, tratando do que chamou de “classe política”, ele formulou a seguinte teoria: "Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os organismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe facilmente a qualquer observador: em todas as sociedades, desde as medianamente desenvolvidas que apenas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, desempenha todas as funções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou menos legal, ou bem de um modo mais ou menos arbitrário e violento, e recebe dela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os indispensáveis para a vitalidade do organismo político” (apud BOBBIO, 1995, p. 385).

Pareto foi quem usou pela primeira vez o termo “elite” para designar a minoria governante. Ele acolheu a teoria de Mosca, mas atribuiu as desigualdades sociais existentes a fatores psicológicos: os homens são diferentes, daí resultam as desigualdades sociais. Assim, afirmou que os indivíduos se dispõem em vários níveis que vão do superior ao inferior. Denominou os que estão localizados nos graus superiores da riqueza e do poder de elite política ou aristocracia. Para Pareto a causa do domínio da minoria sobre a maioria é o fato de que enquanto a minoria é homogênea, tem os mesmos interesses, adota os mesmos valores e se vale dos mesmos recursos; a maioria, justamente por ser maioria, é heterogênea, cultiva valores distintos e até contraditórios, além de não dispor de recursos suficientes para atingir os seus fins. Pareto definiu a história como sendo nada mais do que um teatro de contínua luta entre aristocracias diferentes.

Robert Michels, inspirado nas idéias de Mosca e Pareto, escreveu, em 1910, a obra intitulada A Sociologia dos Partidos Políticos, onde, estudando a estrutura dos grandes partidos de massa, trouxe para o interior destes a teoria de Mosca. Michels constatou que nos partidos de massa existiam grupos de poder, os quais denominou de oligarquia. É de Michels a famosa “lei de ferro da oligarquia”, segundo a qual “A organização é a mãe do predomínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização diz oligarquia”.[10]

A Teoria das Elites é considerada a primeira teoria científica no campo da política. Surgiu com uma fortíssima carga polêmica antidemocrática e anti-socialista e refletiu o medo das classes dirigentes em relação ao socialismo em expansão na época.

Certamente a Teoria das Elites representou um duro golpe que abalou a utopia democrática, segundo a qual o povo é quem governa. O povo, dizem os teóricos, não passa de um “exército de manobra” da nova classe política em ascensão. Assim, foi lançada uma enorme interrogação sobre os benefícios da democracia e ideais socialistas.

Destaco aqui a contribuição de Michels à Teoria das Elites, não por fazer um juízo de valor positivo com relação aos demais teóricos, mas sim pelo fato de ter o autor trabalhado com o reflexo da mesma no interior dos partidos políticos, objetos deste estudo.

Michels não se deixou abater pelas “desesperanças da democracia”. Dos precursores, era o que mais acreditava nas promessas libertadoras da democracia, apesar de seu estudo, não que ele pretendesse, ter contribuído para o aumento do descrédito e desconfiança com que ainda hoje são percebidos os partidos políticos.

Em sua obra máxima, Michels afirma que o líder partidário já foi massa e que seus desejos e impulsos pessoais o tiraram dela e o elevaram à posição de líder, posição esta que ele não premeditou chegar, mas uma vez lá, dificilmente se conformará em deixá-la e retornar à massa.

Citado por alguns como novo maquiavelismo, por estampar a realidade da política, Michels vai além e afirma que a posse do poder transforma em tirano até o amigo mais delicado da liberdade e que, uma vez no poder, a situação de líder leva o indivíduo a raciocinar de outra maneira, devido à mudança do ponto de vista da realidade.

Em suma, o que Michels afirma é que os indivíduos têm posturas diferentes diante dos mesmos fatos e que o líder partidário age com certo grau de autoritarismo, pois acredita que sua posição o faz melhor conhecedor da realidade que a massa. Acredita também, o líder, que suas aspirações são as do partido e vice-versa.

Assim, é comum que as lideranças partidárias tomem as decisões em nome da massa que representam, sendo comum também que essa massa não se considere apta para tomar tais decisões, constituindo-se uma clara demonstração de reconhecimento de supremacia de alguns em relação a muitos.

[1] Burke: “partidos são grupos políticos empenhados na luta pelo poder” (apud SARTORI, 1992, p. 56).
[2] Sartori, 1982, p. 84.
[3] Idem, ibidem, p. 86.
[4] Ver capítulo II.
[5] C.f. Seiler, 2000, p. 28.
[6] Idem, ibidem, p.34.
[7] Idem, ibidem.
[8] C.f. Bobbio, 1995, p. 899.
[9] Idem, ibidem, p. 901.
[10] Apud Bobbio, 1995, p. 386.

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte I: Introdução

Resolvi compartilhar meu trabalho de conclusão de curso - TCC - com os leitores do blog. Trata-se de uma trabalho que denominei Candidaturas & Trajetórias Pessoais na Disputa Partidária: as eleições municipais de 2004 em Belém/Pará. Segue a introdução, onde faço uma apresentação do mesmo.
Introdução

Nunca me conformei com o papel secundário que muitos autores e colegas relegam aos partidos políticos. Mesmo com todo personalismo existente na relação eleitor-candidato em nosso país, sempre acreditei que os partidos não se tratavam de simples portões de acesso à carreira política.

Este trabalho nasceu dessa crença e da vontade de desvendar os motivos pelos quais os candidatos passam e os líderes e seus partidos ficam. Através dele pretendo discutir, visando entender melhor a dinâmica existente nas relações intrapartidárias, fatores que influenciam a seleção de candidaturas e as estratégias de campanha empregadas por candidatos e partidos na eleição para a Câmara Municipal de Belém em 2004.

Nosso sistema eleitoral é complexo. O processo de escolha dos candidatos aos cargos legislativos não é de conhecimento do grande público, pois a maioria dos eleitores desconhece as causas que levam um candidato pouco votado a ser eleito, enquanto que outro, com uma votação expressiva, não alcança o mesmo sucesso.

Os sistemas proporcionais de lista aberta, como o nosso incentivam o voto personalizado, fazendo com que o eleitor menospreze os partidos e vote segundo as qualidades do candidato. Assim, o voto é dado para o candidato, mas pela regras eleitorais válidas para as eleições proporcionais, os votos são computados primeiramente para o partido, e só em um segundo plano, são considerados os votos dados aos candidatos.

Como eleitores e, principalmente, os partidos lidam com essa realidade? É realmente o eleitor quem ordena a lista de candidatos ou ela já vem “ordenada” pelo partido?

Na busca destas respostas, foram realizadas pesquisas em quatro diferentes fontes de informações: o eleitor, colhida no dia da eleição; as urnas, através da análise dos resultados da eleição para a Câmara Municipal; o TRE, pela análise dos processos de registro de candidatos e anotações de órgãos partidários; e finalmente, os próprios candidatos, que, de seus diferentes pontos de vista, relataram suas percepções do processo eleitoral, com ênfase em suas relações com seus respectivos partidos.

Trabalho com a premissa de que o voto personalizado é incentivado pelos partidos políticos que, conhecendo o comportamento do eleitorado, reforçam ou até mesmo moldam as qualidades pessoais dos vencedores, isto é, os partidos apresentam aos eleitores aqueles candidatos que têm melhores condições de conquistar o maior número de votos para o partido e, dentre esses, privilegiam, através da máquina partidária, a candidatura de seus líderes ou daqueles apoiados pelos mesmos, induzindo o eleitor a votar nos candidatos priorizados por quem toma as decisões no partido. Em suma, minha hipótese é que há um “fechamento” informal da lista partidária.

Confirmando-se essa hipótese, concluir-se-ia que nosso sistema eleitoral seria uma aproximação do sistema proporcional de lista fechada, onde os partidos ordenam as listas de candidatos. A diferença é que naquele sistema o eleitor conhece previamente a ordenação estabelecida pelo partido e no nosso caso, essa ordenação seria propositadamente oculta tanto de eleitores quanto de candidatos, que a desconhecendo, esforçam-se ao máximo, na certeza que estão colhendo votos para si e não para outrem, como acaba por acontecer. Este trabalho procura, de maneira introdutória, evidenciar e discutir essa situação, em que o candidato comum acaba sendo usado pelo partido a que pertence, pois, na maioria das vezes não passa de cabo eleitoral de baixo ou nenhum custo, trabalhando para a eleição dos líderes.

No primeiro capítulo são apresentados os partidos políticos conforme são conhecido pela ciência política, seu contexto histórico e social. No segundo, são expostas e comentadas as regras para a formação e manutenção de partidos políticos, além das normas eleitorais vigentes em nosso país. No terceiro capítulo, trato do voto personalizado, suas características e implicações; apresento as estratégias utilizadas pelos partidos políticos para lidar com essa realidade e finalizo, apoiado nos estudos de Álvares (2004) e nas entrevistas com os candidatos, rascunhando um quadro sobre o processo de recrutamento e seleção de candidaturas para as eleições estudadas. Fazer uma análise do processo que elegeu os vereadores em Belém no ano de 2004, com ênfase na campanha eleitoral, é o que pretendo no quarto capítulo, onde apresento os dados de minha pesquisa, quantos e quais foram os candidatos priorizados pelos partidos, além de expor que privilégios estes obtiveram. Abro um parêntese, no quinto capítulo, para discorrer sobre as distorções que nosso sistema eleitoral apresenta, como influenciam e são influenciadas pelo personalismo do voto e pela legislação vigente. No sexto capítulo, são apresentados os resultados da pesquisa com os eleitores, realizada no dia da eleição, onde traço um perfil do eleitor médio em Belém, analisando seu comportamento e relacionando-o com as estratégias de campanha de partidos e candidatos. No sétimo e último capítulo, apresento as conclusões deste trabalho.

Desta maneira, tento contribuir para a ciência política, destacando a campanha, esse aspecto do processo eleitoral tão complexo e obscuro e ao mesmo tempo tão fascinante. Em complementando a este, espero que surjam outros trabalhos, onde as mesmas questões ou mesmo outras sejam levantadas com a finalidade de podermos conhecer as minúcias dessas complexas relações que envolvem partidos, candidatos e eleitores.