sábado, 13 de outubro de 2007

Candidaturas & trajetórias pessoais na disputa partidária. Parte II: Capítulo I

Capítulo I - Os partidos políticos

1.1 - Definição

A definição de partido político tem sofrido diversas alterações na história da Ciência Política. Desde Edmund Burke (1729-1797) esse conceito tem sido um dos temas de maior discussão na Ciência, pois a partir de tal conceito é que são formulados diversos outros estudos, como representação e comportamento eleitoral, por exemplo.

Diante desse quadro em que cada um acrescenta sua pincelada, restam duas alternativas ao estudioso do tema: analisar cada uma das etapas da construção do conceito e adotar aquele que mais se aproxima de suas convicções ou, como a maioria dos cientistas políticos o fazem, acrescentar mais uma pincelada no já complicado quadro que representa tal conceito.

Na construção desse conceito, Giovanni Sartori tem sido o ponto inicial, não no sentido cronológico, pois sua obra data da segunda metade do século passado, mas sim porque seu estudo Partidos e Sistemas Partidários retroage no tempo e analisa cada conceito em seu contexto social e histórico.

Sartori conceitua partido político a partir da análise das definições de outros autores, iniciando por Burke,[1] aprimorando o conceito até chegar a “um partido é qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que apresente em eleições, e seja capaz de colocar através de eleições [livres ou não], candidatos a cargos públicos”.[2]

Sartori apresenta, ainda, uma definição mínima: “Um partido é qualquer grupo político que apresente em eleições, e seja capaz de colocar através de eleições, candidatos a cargos públicos”.[3]

Nessa definição, largamente aceita, não são considerados partidos aqueles grupos que, embora organizados e coesos, não são capazes de apresentar candidatos a cargos públicos, principalmente por questões legais.[4] Por esse motivo não concordo inteiramente com a mesma, preferindo a de Seiler, segundo o qual, "partidos políticos são organizações visando mobilizar indivíduos numa ação coletiva conduzida contra outros, paralelamente mobilizados, a fim de alcançar, sozinho ou em coalizão, o exercício das funções de governo. Essa ação coletiva e essa pretensão de conduzir a marcha dos negócios públicos são justificadas por uma concepção particular de interesse geral." (SEILER, 2000, p. 25)

Essa definição, em meu entendimento, retrata e abrange os partidos políticos contemporâneos, pois, partindo das definições anteriores, engloba a mobilização, a existências de outros partidos, a possível coalizão e a luta pelo poder como elementos fundamentais de um partido político.

Em meu ponto de vista, todos esses elementos são necessários e o mais importante deles é a luta pelo poder, pois é a maneira como essa luta se desenvolve que são criados os contornos da organização interna e externa do partido, visando à mobilização e a ascensão de lideranças.

1.2 - Função dos partidos políticos

Qual a real função dos partidos políticos em nossa sociedade? Tal qual a discussão sobre o conceito de partido político, essa pergunta tem se repetido a cada novo estudo sobre o tema.

Os partidos políticos, ao longo de sua história, sempre foram vistos com desconfiança pela sociedade, pois são tidos como “uma tela interposta entre governantes e governados, um freio posto ao exercício da democracia”.[5] Mas não é bem assim! Os partidos, tem demonstrado a história, não são obstáculos, mas sim as colunas sustentadoras da democracia. Tanto é verdade, que os regimes considerados mais democráticos são aqueles em que qualquer grupo organizado em forma de um partido tem possibilidades, pelo menos legais, de chegar ao poder e, o inverso, regimes autoritários e antidemocráticos são considerados aqueles que limitam a ação ou extinguem por completo os partidos políticos.

Extrai-se, então, que a principal função dos partidos políticos é revestir de legitimidade o regime e, para tal, precisa o partido, segundo P. H. Merkl, atuar em seis dimensões:

"1) Recrutamento e seleção de pessoal dirigente para os cargos do governo; 2) Gênese de programas e de políticas para o governo; 3) Coordenação e controle dos órgãos governamentais; 4) Integração societária pela satisfação e pela conciliação das demandas dos grupos ou pela contribuição de um sistema comum de crenças ou ideologias; 5) Integração social dos indivíduos por mobilização de seus apoios e por socialização política; e 6) Contra-organização ou subversão." (apud SEILER, 2000, p. 32-33)

A última função do partido, apresentada acima, é a grande inovação do estudo, pois foi capaz de perceber que manter um canal de expressão e conseqüente escape do descontentamento também contribui para a manutenção e sobrevivência do sistema.

Assim, os partidos “asseguram o revezamento de homens e idéias, estabilizam o sistema ao torná-lo legítimo aos olhos dos cidadãos e, para alguns dentre eles, canalizam os descontentamentos, reforçando, assim, a legitimidade do sistema”.[6]

Conclui-se, portanto, que as principais funções dos partidos políticos são “fornecer governantes de maneira contínua e tornar esse modo de acesso às funções de governo aceitável aos governados”.[7]

1.3 - Origem e evolução

Há quem considere a Inglaterra do século XVI o berço dos partidos políticos, mais precisamente durante o reinado liberal de Isabel (1558-1603). No entanto, a maioria dos autores não considera os grupos que agiam nos parlamentos medievais como partidos, pois não tinham relevância nem organização suficiente para tal. Consideram, tais autores, o advento dos governos democráticos, fundamentados na representação política, na Europa e nos Estados Unidos da metade do século XIX como marco histórico que originou os partidos políticos. Concordam, no entanto, que foi com o Reform Act de 1832 que a Inglaterra tornou-se o primeiro país a experimentar a convivência partidária.

No início, os partidos não passavam de organizações locais que se ocupavam “da execução prevista em lei para a eleição do Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato”.[8] Tais organizações, na verdade grupos de deputados reunidos no Parlamento, eram compostas exclusivamente de indivíduos de reconhecida notoriedade e que eram incumbidos da organização do partido. Eram os chamados partidos de notáveis, que prevaleceu por todo o século XIX na maior parte dos países da Europa.

Ao final do século XIX e início do seguinte, surge um novo modelo de partido, o partido de massa, alavancado pelas transformações econômicas e sociais produzidas pelo crescente processo de industrialização. É a partir daí que os partidos ganham uma organização, isto é, um corpo burocrático, composto de funcionários pagos especificamente para manter organizadas as milhares de pessoas que passaram a ver os partidos como meios para a consecução de seus objetivos de justiça social. Esse corpo burocrático remunerado fez-se necessário devido à impossibilidade de os trabalhadores se afastarem de seus meios de subsistência para dedicarem-se exclusivamente ao partido.

Os partidos socialistas da Alemanha, França, Itália e Inglaterra foram os primeiros a terem as características de partidos de massa. Representou algo totalmente novo, pois os partidos nasceram nas camadas mais baixas, dentre os excluídos da participação no governo, contrariamente ao que ocorria anteriormente, quando os partidos se organizavam a partir dos parlamentos. A educação política, a propaganda partidária e o trabalho contínuo de organização passaram a fazer parte das atividades dos partidos, além de ser estabelecido um sistema de quotas, como meio de sustentá-los financeiramente.

Os partidos de massa desenvolveram uma estrutura interna do tipo piramidal, sendo a base constituída das uniões locais. As Seções, como eram chamadas essas uniões, tinham “a finalidade de enquadrar todos os membros do partido pertencentes a um dado espaço territorial (bairro, cidade, país)”.[9] Tais seções eram organizadas, a nível territorial, em federações, que compunham os órgãos intermediários do partido, cuja principal função era a de coordenação. A cúpula do partido era constituída pela direção central e era composta por delegados enviados pelas seções ao Congresso Nacional, órgão máximo de deliberações do partido.

Além dessa rigorosa estrutura, os partidos socialistas ainda possuíam extensa organização de assistência social, econômica e cultural aos seus associados (sindicatos, cooperativas, jornais, tipografias, etc). Em geral, tais organizações já existiam antes do partido e até contribuíram para fundá-lo, mas o partido também se empenhava em reforçá-las e também em criar outras. Este modelo de partido foi denominado de partido de aparelho ou partido de organização de massa.

Contudo, necessário se faz ressaltar que a principal diferença entre o partido de notáveis e o partido de massa reside no momento de sua criação, visto que o primeiro foi criado no interior do Parlamento e o segundo fora dele, com o objetivo de nele penetrar. Esse fato, a origem, é quem dá personalidade ao partido, é quem o caracteriza, pois os partidos criados no Parlamento tendem a ser menos burocráticos e ideológicos que os criados fora dele.

Em geral, nos partidos criados a partir do Parlamento o peso da figura do parlamentar é maior que nos partidos de massa, pois nestes, a organização burocrática do partido tende a ter um peso maior que o grupo de parlamentares. Assim, nos primeiros, os parlamentares são os líderes vitalícios (ou quase), enquanto que nos segundos os parlamentares são meros porta-vozes das massas, votando de acordo com o que o corpo do partido decide.


1.4 – A relação com a Teoria das Elites

Gaetano Mosca (1858-1941), Vilfredo Pareto (1848-1923) e Robert Michels (1876-1936) são os precursores da chamada Teoria das Elites.

Mosca é autor da obra Elementos de Ciência Política, publicada em 1896. Nela, tratando do que chamou de “classe política”, ele formulou a seguinte teoria: "Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os organismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe facilmente a qualquer observador: em todas as sociedades, desde as medianamente desenvolvidas que apenas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, desempenha todas as funções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou menos legal, ou bem de um modo mais ou menos arbitrário e violento, e recebe dela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os indispensáveis para a vitalidade do organismo político” (apud BOBBIO, 1995, p. 385).

Pareto foi quem usou pela primeira vez o termo “elite” para designar a minoria governante. Ele acolheu a teoria de Mosca, mas atribuiu as desigualdades sociais existentes a fatores psicológicos: os homens são diferentes, daí resultam as desigualdades sociais. Assim, afirmou que os indivíduos se dispõem em vários níveis que vão do superior ao inferior. Denominou os que estão localizados nos graus superiores da riqueza e do poder de elite política ou aristocracia. Para Pareto a causa do domínio da minoria sobre a maioria é o fato de que enquanto a minoria é homogênea, tem os mesmos interesses, adota os mesmos valores e se vale dos mesmos recursos; a maioria, justamente por ser maioria, é heterogênea, cultiva valores distintos e até contraditórios, além de não dispor de recursos suficientes para atingir os seus fins. Pareto definiu a história como sendo nada mais do que um teatro de contínua luta entre aristocracias diferentes.

Robert Michels, inspirado nas idéias de Mosca e Pareto, escreveu, em 1910, a obra intitulada A Sociologia dos Partidos Políticos, onde, estudando a estrutura dos grandes partidos de massa, trouxe para o interior destes a teoria de Mosca. Michels constatou que nos partidos de massa existiam grupos de poder, os quais denominou de oligarquia. É de Michels a famosa “lei de ferro da oligarquia”, segundo a qual “A organização é a mãe do predomínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização diz oligarquia”.[10]

A Teoria das Elites é considerada a primeira teoria científica no campo da política. Surgiu com uma fortíssima carga polêmica antidemocrática e anti-socialista e refletiu o medo das classes dirigentes em relação ao socialismo em expansão na época.

Certamente a Teoria das Elites representou um duro golpe que abalou a utopia democrática, segundo a qual o povo é quem governa. O povo, dizem os teóricos, não passa de um “exército de manobra” da nova classe política em ascensão. Assim, foi lançada uma enorme interrogação sobre os benefícios da democracia e ideais socialistas.

Destaco aqui a contribuição de Michels à Teoria das Elites, não por fazer um juízo de valor positivo com relação aos demais teóricos, mas sim pelo fato de ter o autor trabalhado com o reflexo da mesma no interior dos partidos políticos, objetos deste estudo.

Michels não se deixou abater pelas “desesperanças da democracia”. Dos precursores, era o que mais acreditava nas promessas libertadoras da democracia, apesar de seu estudo, não que ele pretendesse, ter contribuído para o aumento do descrédito e desconfiança com que ainda hoje são percebidos os partidos políticos.

Em sua obra máxima, Michels afirma que o líder partidário já foi massa e que seus desejos e impulsos pessoais o tiraram dela e o elevaram à posição de líder, posição esta que ele não premeditou chegar, mas uma vez lá, dificilmente se conformará em deixá-la e retornar à massa.

Citado por alguns como novo maquiavelismo, por estampar a realidade da política, Michels vai além e afirma que a posse do poder transforma em tirano até o amigo mais delicado da liberdade e que, uma vez no poder, a situação de líder leva o indivíduo a raciocinar de outra maneira, devido à mudança do ponto de vista da realidade.

Em suma, o que Michels afirma é que os indivíduos têm posturas diferentes diante dos mesmos fatos e que o líder partidário age com certo grau de autoritarismo, pois acredita que sua posição o faz melhor conhecedor da realidade que a massa. Acredita também, o líder, que suas aspirações são as do partido e vice-versa.

Assim, é comum que as lideranças partidárias tomem as decisões em nome da massa que representam, sendo comum também que essa massa não se considere apta para tomar tais decisões, constituindo-se uma clara demonstração de reconhecimento de supremacia de alguns em relação a muitos.

[1] Burke: “partidos são grupos políticos empenhados na luta pelo poder” (apud SARTORI, 1992, p. 56).
[2] Sartori, 1982, p. 84.
[3] Idem, ibidem, p. 86.
[4] Ver capítulo II.
[5] C.f. Seiler, 2000, p. 28.
[6] Idem, ibidem, p.34.
[7] Idem, ibidem.
[8] C.f. Bobbio, 1995, p. 899.
[9] Idem, ibidem, p. 901.
[10] Apud Bobbio, 1995, p. 386.

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